O legado histórico herdado pela África do Sul, 24 anos após o fim do apartheid, é de uma sociedade extraordinariamente desigual, na qual a pobreza e a prosperidade continuam a ser definidas pelo género e cor da pele.
A última década, sob a liderança de Jacob Zuma, ficou marcada por uma corrupção endémica e pela captura do Estado por interesses privados, muitos deles ligados ao ANC, o partido no poder e que governa o país desde 1994, levando a que a “nação arco-íris” continue em permanente conflito interno e amarrada a questões do passado, que a impedem de prosseguir o seu caminho enquanto país multicultural.
O novo elenco governativo de Cyril Ramaphosa, que tomou posse em fevereiro deste ano, tem agora uma nova oportunidade de revigorar a África do Sul, beneficiando da solidez dos seus setores mineiro, agrícola e turístico. A aceleração de 3,1% da economia sul-africana no último trimestre do ano, o primeiro crescimento dos últimos quatro anos, afastou por agora o país de um novo downgrade por parte da Moody’s, a única agência que ainda mantém o país com uma notação de investimento, permitindo-lhe que se mantenha nos índices da dívida utilizados pelos investidores para os mercados dos países emergentes.
Este crescimento alicerçou-se principalmente no setor mineiro, que sempre foi o principal impulsionador do desenvolvimento da economia sul-africana, sendo de destacar também o contributo do setor agrícola, com especial ênfase para a indústria dos vinhos e produtos hortícolas.
No entanto, e apesar desta boa notícia, a taxa de desemprego continua em valores muito elevados – mais de 26% –, penalizando principalmente a jovem comunidade negra. Para inverter esta situação, têm sido concebidos imensos planos para elevar os níveis de empregabilidade, sendo o mais emblemático o “Black Economic Emporwment” (BEE), que tem por base uma melhoria da situação financeira da população não branca do país. Até ao momento, e para além de variações marginais nos níveis de riqueza e mobilidade social, 17 milhões de sul-africanos, um terço da população, continuam a depender de subsídios estatais para sobreviver.
Por outro lado, a recente aprovação no parlamento da lei que permite a expropriação em larga escala de terrenos pertencentes à minoria branca sem qualquer tipo de compensação, com o objetivo de incrementar a produção agrícola, revela uma total falta de bom senso. Basta olhar para o vizinho Zimbabué, que adotou uma matriz legislativa similar, para se perceber que o único objetivo é puramente eleitoralista e enquadrado numa ótica de curto prazo.
Apesar de ser difícil reconciliar as injustiças do passado, o que o governo está a fazer é irracional em termos económicos, na medida em que dá terra aos agricultores mas corta-lhes a ligação aos fatores produtivos, dado que os terrenos funcionam como colaterais para os bancos na concessão de empréstimos.
No ano em que se comemora o centenário do nascimento de Nelson Mandela, a melhor forma de invocar o seu legado é não dilacerar ainda mais a fragilizada sociedade sul-africana, criando ligações entre as questões que a unem e não exacerbando ainda mais as situações que a dividem.
O atual governo sul-africano, liderado pelo outrora protegido de Mandela, Cyril Ramaphosa, tem neste momento uma excelente oportunidade para aproximar as duas realidades do país, aproveitando a estabilidade política, as boas instituições e a sua população jovem e dinâmica, para modernizar os setores onde o país tem vantagens comparativas e trazer a África do Sul de volta para o grupo de nações com um alto nível de desenvolvimento.