Num tempo fustigado pela pandemia de Covid-19, que condiciona a vida global, no continente africano nada mudou relativamente à sua velha pandemia. Apesar de o número de casos de malária continuar a subir de forma vertiginosa, esta pandemia não merece a mesma atenção por parte dos governos e a mesma preocupação mediática da imprensa internacional. Existe um grande silêncio da comunidade internacional quanto à doença que mais mata africanos.

De acordo com o relatório anual do Programa Global Contra a Malária da Organização Mundial da Saúde (“OMS”), divulgado no dia 30 de Novembro de 2020, em 2021 poderá haver mais 19 mil a 100 mil mortes causadas pela malária. Este crescimento no número de mortes deve-se ao facto de os sistemas de saúde dos países onde a malária é endémica serem frágeis e a ajuda internacional ter sido canalizada para o combate à Covid-19, o que implicou uma paralisação das acções de combate à malária entre 10% e 50%, segundo o referido relatório da OMS.

Face aos números apresentados, a directora regional da OMS, Matshidiso Moeti, afirmou que “morrerão mais pessoas [em África] de malária do que de COVID-19”. Mas isto não despertou qualquer tipo de preocupação por parte das autoridades africanas que foram peremptórias e ágeis a declarar estados de excepção para travar o avanço da COVID-19. Contudo, as autoridades resistem a declarar uma situação de calamidade por causa da malária.

Este comportamento de resistência político-governamental só pode ser compreendido se considerarmos que a persistência do elevado número de mortes imputáveis à malária pode ser associada a uma má governação das elites africanas por parte da imprensa, dos movimentos sociais e dos partidos da oposição. Uma declaração de estado de calamidade pública em razão da malária corresponderia a uma assunção de culpa e teria, necessariamente, consequências políticas para o governo, afectando, sobretudo, a sua imagem enquanto entidade gestora das políticas públicas de saúde.

Esta leitura política de responsabilização dos governos, principalmente dos países mais ricos em recursos naturais, tornou-se mais fácil porque há países com menos recursos que promovem uma boa gestão dos recursos próprios e da ajuda internacional, conseguindo atingir melhores resultados em matéria de combate à malária. Por exemplo, Cabo Verde, com parcos recursos, anunciou, publicamente, em Fevereiro de 2021, que há três anos não se registam casos de transmissão local de malária. O que demonstra um combate sério e continuado contra a malária.

A nossa Covid-19 continua a ser a malária, que mata mais do que muitas guerras civis africanas. Por exemplo, em 2020, das 409 mil mortes causadas pela malária em todo mundo, 384 mil ocorreram em África,  correspondendo a 93,9% do número total das mortes. Por isso, declarar um estado de guerra contra a malária tornou-se um imperativo categórico e uma obrigação moral dos governos, visto que qualquer governo deve zelar pela segurança dos seus cidadãos.

Pelo número de mortes causadas pela malária não restam dúvidas que estamos, ainda, na presença de um flagelo que compromete o futuro do continente africano, principalmente das suas crianças. Portanto, declarar o estado de calamidade e desenvolver uma política séria de combate a malária deve ser uma questão de segurança humana e de preservação de um futuro para os africanos.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.