A ascensão de um líder africano normalmente gera um fenómeno extremamente interessante que, no espectro das ciências sociais, poderia ser descrito da seguinte forma: em torno deste líder surge uma nova entourage com o ímpeto de iludir o líder das suas próprias capacidades técnicas, de liderança e até governativas, porque em nenhum momento questiona as acções do líder. Resta apenas lugar ao elogio e aos comentários pomposos, que levam até a pensar que o senhor do poder está munido de uma capacidade imortal.

Enquanto isso, o país vai padecendo de sérias dificuldades económicas e sociais, que são autênticos flagelos populares, principalmente para os cidadãos com menores recursos económicos que se situam numa zona de exclusão sociopolítica.

No entanto, esta mesma entourage desdobra-se em estratégias de acumulação de recursos, ao ponto de alguns dos seus membros controlarem os meios de comunicação privada, que passam, de certa forma, a difundir uma imagem de um líder imoral e servido de uma capacidade semelhante à de um super-homem. Neste sentido, o próprio líder mergulha numa situação de anulação da sua capacidade mental de adquirir uma auto-consciência sobre os seus erros. Por outro lado, esta entourage impossibilita a construção de um discurso consciente por parte da comunidade, que possa servir como um elemento essencial de auto-reflexão e de auto-consciencialização do comportamento que este mesmo líder adopta na condução do país.

No decurso deste processo ilusório e de anulação da autoconsciência, o líder acaba, muitas vezes, por ser descrito ou retratado como um semideus na terra, tal como sucedia nas velhas monarquias teocráticas na Europa. O que sucede actualmente em África é, claramente, em alguns lugares, uma autêntica negação das premissas que estiveram na origem das independências africanas. Isto porque os partidos independentistas defendiam a necessidade de erguer uma sociedade justa e livre e não uma privatização do poder soberano.

Assim sendo, ao longo do período de pós-independência em África, a captura de poder passou dos velhos partidos para os seus líderes. Por isso, os objectivos políticos que impulsionaram e legitimaram as lutas de libertação nacional acabaram por desaparecer, estando apenas presentes na retórica dos soberanos. Por conseguinte, os líderes africanos actuam investidos da autoridade da chefatura, ou seja, como chefes máximos de um poder de base africana, em que o título garante obediência e autoridade. E utilizam ainda os mecanismos legais e eleitorais ficcionados para assegurarem o poder de Estado.

Em decorrência deste facto, em África não existe apenas um líder, mas também um chefe africano que utiliza a sua autoridade política e estatal reconhecida pela constituição, produzida ao seu jeito e à sua maneira, para criar uma autêntica auto-representação de si. As suas capacidades humanas elevam-no ao mesmo patamar de um semideus que governa os seus súbditos africanos, que são reféns das necessidades do Estado. Desta forma, são instituídas democracias de vassalos, onde a cidadania corresponde a um instrumento insuficiente para condicionar as acções dos líderes e da sua entourage.

Em suma, estamos na presença de uma figura livresca, tão bem esculpida na última obra de Pepetela, “Sua Excelência de Corpo Presente”, que simboliza a captura das utopias e o instalar da distopia política nas sociedades africanas contemporâneas, onde o sentido de orfandade se instalou de corpo presente.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.