Não é difícil de entender a crucial importância do Fundo de Recuperação Europeu para Portugal. As exigências levantadas pelas restrições de mobilidade afetaram de forma severa as pequenas empresas de comércio mais tradicional, como a restauração, e estrangulou sectores de grande relevo na criação de emprego e valor, como o turismo e a indústria automóvel.
As sequelas poderão ser duradouras, dado que a confiança necessária para restabelecer os níveis pré-pandemia ainda deverá levar alguns trimestres a ser reposta. A isto acresce a frágil situação de tesouraria de grande parte das pequenas e médias empresas nacionais, e a frágil posição em que os bancos poderão ficar à medida que a atividade se mantiver estagnada e os impactes das moratórias se forem tornando visíveis nos balanços, sobretudo dos bancos que já se encontravam em posições menos robustas.
A capacidade de contrariar os elevados números de desemprego, e reestruturar a economia portuguesa sem colocar em perigo as contas públicas é um equilíbrio delicado, apenas possível porque a União Europeia conseguiu produzir um pacote de apoio, que em boa parte tem verbas a fundo perdido, e que permite espoletar uma reforma estrutural para as próximas décadas.
Certo é que a velocidade de implementação dos fundos será essencial para debelar o impacte social desta crise. Mas importa também, que não se repitam alguns erros do passado no que diz respeito a destino e utilização dos fundos. Um processo célere, mas transparente e sem grãos de areia na engrenagem é a combinação que deve ser respeitada se o que importa verdadeiramente é o interesse de Portugal.
A celeridade da resposta europeia tem conhecido alguns percalços, que poderão prejudicar países com pouca capacidade de balanço privado e estatal para comprar tempo, como é o caso nacional. As razões estão sobretudo relacionadas com condições de governança do Fundo de Recuperação Europeu, mais concretamente com a condicionalidade de Estado de Direito, que pode refrear o acesso a verbas e onde países como Hungria ou Polónia, que foram alvo de críticas no último relatório produzido pela Comissão Europeia, se têm mostrado contra.
Este, no entanto, é apenas um dos pontos de discórdia. Outro, está relacionado com o risco de má utilização dos fundos, e a pressão vem dos chamados países “frugais” da União Europeia, com Holanda, Suécia, Finlândia, Dinamarca e Bélgica a recusarem aprovar o pacote de ajuda sem a criação de garantias robustas que evitem situações de prevaricação com fundos europeus – situação que neste momento não entendem que esteja defendida.
Por último, existe ainda um tema essencial que exige unanimidade e sem a qual não há Fundo de Recuperação. É a decisão sobre recursos que autoriza a Comissão Europeia a levantar 750 mil milhões de euros nos mercados financeiros para se financiar. Não só os 27 países têm de estar de acordo, como os parlamentos nacionais terão ainda de ratificar localmente.
Ou seja, uma série de obstáculos que a Alemanha (que detém a presidência da União Europeia) está a tentar ultrapassar e intermediar entre os diversos blocos de interesse para implementar o acordo obtido em julho. Contudo, fontes diplomáticas oficiais da Alemanha em Bruxelas, já deram nota que os atrasos serão provavelmente inevitáveis, prolongando para além do início de 2021, e originando consequências negativas para as economias da zona euro.
O processo de implementação das ajudas europeias pode por isso demorar tempo, o que pode levar os países a sentir-se tentados por saltar etapas no que diz respeito à agilização do processo de entrega dos fundos europeus, ou da fiscalização dos critérios de atribuição dos fundos.
Ainda que possa parecer, numa primeira observação, uma forma generosa de colocar mais rapidamente os fundos ao serviço da economia e do combate ao desemprego, pode representar uma perigosa atração para os interesses do país e da transparência que deve conduzir os valores de uma democracia como a nossa. Este programa é uma oportunidade que Portugal não pode dar-se ao luxo de colocar em causa, em nome de qualquer agenda política que não seja a do país.