O título deste artigo é muito pessoal e representa uma citação de algo que a minha filha de quatro anos disse à minha mulher esta segunda-feira com o início do desconfinamento e a reabertura das escolas até ao primeiro ciclo.

Trata-se de uma verdade dura, daquelas que doem bem fundo no estômago, mas que fazem parte da realidade com que nos confrontamos diariamente e que foi o retrato realista de muitos meses no último ano. Trabalhar com filhos em casa torna tudo mais complexo: é preciso mais tempo, atenção, disponibilidade. Há horários de refeições a cumprir e tarefas de casa que se somam às muitas que temos nas empresas que representamos.

A educação dos filhos também teve de flexibilizar-se e adaptar-se. Não foram apenas as empresas ou as nossas vivências. Quem tem filhos, principalmente quem tem filhos pequenos, terá assinado uma nota de culpa por sentir que de alguma forma “abandonou” os seus filhos em casa, mesmo estando dentro das mesmas quatro paredes.

Lia numa rede social, no outro dia, uma influencer dizer que devia ser obrigatório criar-se o dia sem filhos. Esta segunda-feira e, mesmo agora, enquanto escrevo, vejo posts onde outros pais afirmam sentir já falta dos últimos dois meses, com a algazarra e a desorganização de tentar conciliar filhos com trabalho, tudo ao mesmo tempo e na mesma hora.

Um colega de trabalho dizia-me num podcast interno que “com filhos em casa não somos nós que fazemos a gestão do tempo e das reuniões. São eles!”. E é bem verdade. Quem não aproveitou a sesta do mais pequeno para fazer uma call urgente ou para tratar de algum assunto que andava a ser adiado há algumas horas ou dias? Ou que fez calls com o filho ao colo ou a pedir para ir ter com ele ao WC pois precisava de ajuda?

Nós, pais, sentimos duramente a muita atenção que quisemos dar mas não demos aos nossos filhos. Eles também terão sentido, mas perceberam. As empresas também o perceberam, a partir do momento em que se flexibilizaram – as que o fizeram – e permitiram que os seus colaboradores fizessem autonomamente a gestão do seu tempo de trabalho. Se podes fazer algo mais tarde fazes, em vez de fazeres logo de manhã quando tens de dar o pequeno-almoço aos filhos.

Pais, mães, ambos tiveram de jogar ao jogo de parar o relógio para tentar fazer com que as 24 horas do dia esticassem e dessem para fazer mais: dar mais atenção aos filhos, ao trabalho, estar concentrado… sem pensar sequer em ter tempo para filmes ou séries na televisão, ler um livro ou, simplesmente, descansar um pouco sem fazer nada. Apenas isso.

A assistência à família e os apoios concedidos pelo Estado levaram muitos colaboradores a optar por tirar um tempo para tratarem da família porque sentiram, por um lado, que não estavam a dar o seu melhor para a empresa e, por outro, que estavam a largar os filhos no tempo em que estiveram em casa, primeiro sem aulas e depois com aulas e a precisarem de apoio.

Quando uma criança diz ao pai ou à mãe que agora que as escolas abriram os pais vão ter mais tempo para trabalharem, percebe-se o porquê de começarmos a desconfinar nesta altura, começando pelas escolas. As crianças precisam de convívio e tempo para brincar e estudar. Para estarem com os amigos e professores. Não podem estar permanentemente dentro de quatro paredes. Somos seres sociais e precisamos de convívio. Todos.

Aos pais que ativaram o apoio à família, não devem sentir peso ou angústia por acharem que estão a abandonar as vossas empresas. Àqueles que continuaram a trabalhar, com muito esforço e algum sentimento de culpa à mistura, fizeram o que podiam num tempo que é extraordinário para todos.

Agora vamos ter mais tempo para trabalhar. E se cumprirmos com as regras e a situação continuar a evoluir favoravelmente, teremos também tempo para começar a sair, a conviver, a voltar à normalidade que há mais de um ano nos foi tirada.