O ambiente tem estado na ordem do dia, muito devido aos desafios que o mundo enfrenta. Todos falam desta temática, as boas intenções proliferam e até se pode produzir muita legislação ambiental, mas só haverá uma mudança séria de paradigma quando se romper com os interesses instalados.
O ambiente não pode estar na primeira linha da orientação política apenas quando constitui uma oportunidade de negócio para o poder económico ou quando pode dar votos.
A ecologia política, enquanto ideologia, tem como premissa a sustentabilidade baseada em três pilares que se devem complementar: ambiental, social e económico. Deve ter uma visão completa do desenvolvimento, onde a espécie humana se relacione em harmonia com todas as espécies e com a natureza, garantindo a sua auto-regeneração, para que as gerações presentes e futuras não fiquem privadas de recursos naturais imprescindíveis à vida.
Hoje sentimos a falência de um modelo capitalista e neoliberal, que enche os bolsos do sistema financeiro, arrasando o que for preciso para garantir o seu sucesso: explora os seres humanos, devasta ecossistemas, delapida recursos naturais e destrói a própria sustentabilidade do planeta. Prevalece a lei do mercado e do salve-se quem puder, concentrando-se a riqueza numa minoria de pessoas muito ricas, enquanto uma vastíssima maioria vê serem-lhe negados os mais básicos direitos fundamentais.
Provavelmente muitos dirão que o mundo é mesmo assim, mas a História, ao longo dos tempos, tem-nos mostrado que vale a pena agir e que o conformismo não é alternativa.
Ao mesmo tempo que aumentam os discursos ambientais, aumentam também as vozes que pretendem desligar a ecologia política da categorização entre esquerda e direita. Desde logo, esta diferenciação não é de menor importância nos dias de hoje. Mais do que rótulos, trata-se, acima de tudo, de valores e de coerência da acção.
Facilmente se percebe que é inconcebível um movimento ecologista que não tenha uma base de denúncia do actual sistema, bastante depredador dos nossos recursos naturais e que anseia desmesuradamente pela obtenção de lucro. A transformação que se impõe não é possível à direita, nem através de uma esquerda conformada com os princípios da direita, que alimenta a lógica da continuidade do sistema.
Por exemplo, não é indiferente o sector da água ser público ou privado. Aliás, a apropriação da gestão dos recursos naturais é uma ambição de quem quer garantir o poder, não para servir a humanidade, mas para enriquecer e para a tornar dependente dos seus serviços.
Claro que a direita não pode nem deve esquecer o ambiente, até porque a sua preservação é uma obrigação de todos. Convém não esquecer que a própria Constituição da República Portuguesa consagra no Artigo 66.º que “todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”.
Mas os mesmos que rejeitam a dicotomia esquerda/direita, ou que até acham que a ecologia pode ser de direita, são, porventura, os mesmos que aceitam que a responsabilidade se centre apenas no comportamento individual, que é determinante mas não chega, e não ousam propor uma verdadeira transformação, nem exigir que o poder político assuma a sua obrigação na mudança de paradigma.
Esquecer esta vertente, desresponsabilizando o poder político e incutindo toda a responsabilidade no cidadão, não é correto, e não é seguramente de esquerda. A ecologia não pode servir fundamentalismos, proibicionismos ou aproveitamentos políticos. Ao cidadão pode pedir-se tudo, inclusive que pague multas e taxas, e ao mercado não pode pedir-se rigorosamente nada porque é intocável?
Não será por acaso que, ao longo dos anos, os documentos saídos das Conferências das Nações Unidas sobre ambiente e alterações climáticas, sendo positivos nos seus objectivos, pecam porque, mesmo reconhecendo que o modelo político e económico que impera no mundo é a causa de muitas das problemáticas ambientais, não propõem uma ruptura, procuram soluções dentro desses modelos, apenas minimizando a agressividade dos seus malefícios.
A ecologia, enquanto ideologia política, tem um lado e é de esquerda. Não é uma questão de pertença, mas de valores e princípios. É um projecto de transformação da sociedade com o objectivo de promover a justiça social, indissociável da sustentabilidade do desenvolvimento, e de valorizar a base e sustentação da vida – a natureza –, através de um sistema que coloque, de uma vez por todas, a economia e o conhecimento científico ao serviço da humanidade.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.