Agora que já choveu bastante, a preocupação com a seca e a potencial falta de água vai ser rapidamente esquecida. Por todos nós, cidadãos, mas também pelos que têm responsabilidades no sector, no Governo e no Parlamento. E isso é péssimo. Porque o problema da água é estrutural, não conjuntural.
Deve ser nos períodos de abundância que devemos pensar estrategicamente e agir para colmatar ou ultrapassar períodos menos bons, que, sabemos nós, num caso como este, vão sempre acontecer. É apenas uma questão de tempo.
O que é já hoje realidade na Cidade do Cabo parece não ser suficiente para fazer tocar os sinos. Ora, a água potável disponível no planeta é de apenas 3%. Potável, quero dizer, em rigor, doce.
Já todos ouvimos alguém dizer que é fundamental pouparmos água. É verdade. Devemos todos utilizar a água da forma o mais eficiente possível. Pelo ambiente e pela nossa carteira. Mas aquilo que a população pode representar em termos globais de poupança de água será o quê? 5%? 10%? O Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água (PNUEA) aponta para 5%.
A água que nos chega a casa obedece a uma infra-estrutura brutal de captação, tratamento, transporte e distribuição, que consome recursos financeiros e energéticos muito elevados.
E logo aqui podemos pensar se esta estrutura faz sentido quando apenas uma ínfima parte dessa água é para ingestão e por isso requer uma qualidade máxima. A grande fatia do consumo destina-se à realização de tarefas que não exigem água necessariamente potável ou com idêntico grau de qualidade, como a limpeza da casa, máquinas, rega, etc.
Mas o que é impressionante é a razão porque persistem as perdas de água que são (re)conhecidas ao longo da infra-estrutura – designada por “alta”, quando se fala da captação, tratamento, adução, elevação e reserva da água, e, por “baixa”, toda a infra-estrutura de distribuição de água até às nossas casas –, perdas essas que são elevadas, sobre as quais não se fala e, aparentemente, ninguém se preocupa.
Porque quando se diz – e bem – que a água é um recurso escasso, que tem de ser utilizado de forma eficiente pela indústria e poupado pelas famílias, temos de lembrar quem de direito (Entidade reguladora, municípios, concessionárias, etc.) que nas infra-estruturas de alta e baixa, as perdas reais de água atingem os 23% da água captada. Estamos a falar de 183.155.974 m3/ano de água – água que foi transportada e tratada, com todos os custos financeiros e energéticos que tal acarreta.
O desperdício é significativo, tanto de água como de dinheiro! Mas há soluções técnicas para detectar fugas, até porque a maioria não é perceptível do exterior, permitindo assim actuar de forma célere. Porque não são utilizadas? Porque não se vê qualquer esforço na redução destas perdas tão expressivas?
A água não facturada representa 34% do total de água captada (e igualmente tratada, transportada e coisa e tal), ou seja, 272.724.096 m3/ano de água. Nestes valores incluem-se a água que é gasta, por exemplo, pelos bombeiros, rega de jardins públicos, etc. Se concordo com o não pagamento da água pelos bombeiros, já não concordo com o não pagamento da água gasta em regas, muitas vezes de forma completamente desnecessária. Por uma questão de rigor de contas públicas, é irrelevante se a Câmara é, na prática, a “fornecedora”. Os valores devem ser facturados e pagos, até porque quando se paga há sempre mais cuidado no uso.
Também impressionante é o facto do Volume I do Relatório Anual dos Serviços de Água e Resíduos publicado pela entidade reguladora (ERSAR), donde foram retirados estes dados, apresentar 186 páginas de números sem qualquer avaliação digna do nome, sugestão séria de medidas, preventivas ou de correcção ou sequer, de metas a atingir. Nada!
Nas “Considerações Finais”, o foco é o objectivo de transversalização do abastecimento de água a toda a população, sem qualquer referência ou nota de preocupação pelas tais elevadas perdas conhecidas no sistema. De resto, é uma pagina de texto cuja relevância de conteúdo me faz lembrar teses de mestrado que se tornaram virais no Facebook.
Com a reconhecida pertinência e eficácia de actuação das entidades supervisoras e reguladoras que temos em Portugal, é melhor fazer contas aos prejuízos e fechar as lojas.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.