A poucos dias do Dia Nacional da Água – 1 de outubro –, os dados mais recentes sobre os recursos hídricos em Portugal revelam um cenário preocupante. De acordo com os dados dos Planos de Gestão de Região Hidrográfica, 53% dos rios e albufeiras de Portugal Continental encontram-se em mau estado, devido quer à poluição das águas quer à perda de biodiversidade e ecossistemas.

Acresce que, apesar do inverno muito chuvoso deste ano, a maior parte do território está sujeita a elevados índices de escassez e stress hídrico, ou seja, com a disponibilidade de água a ser muito limitada para fazer face à procura – casos sobretudo das bacias do Ave, do Leça, das Ribeiras do Oeste, e da generalidade das bacias da região Sul (Sado, Mira, Guadiana e Ribeiras do Algarve).

A situação é idêntica à escala da União Europeia. De acordo com os dados da Agência Europeia do Ambiente, apenas 37% dos rios e lagos da UE se encontram em bom estado ecológico e apenas 29% em bom estado químico, sendo a situação mais favorável, felizmente e tal como em Portugal, para os aquíferos (as águas subterrâneas). Também se regista uma crescente exposição da população europeia a cheias e a secas, com cerca de 30% a estar sujeita a stress hídrico em cada ano.

Sendo os rios as “veias” dos nossos ecossistemas, de cujo bom funcionamento toda a vida no Planeta depende, estamos perante um diagnóstico que, “traduzido” para a saúde humana, poderia ser de arteriosclerose, senão mesmo de leucemia.

A água em quantidade e qualidade suficientes é essencial ao funcionamento dos ecossistemas de que dependemos, assim como para uma grande diversidade de espécies que os integram, desde peixes e anfíbios (como a enguia, a lampreia ou o sável), até aves e mamíferos (como o guarda-rios, a toupeira-de-água ou a lontra). Os rios e ribeiras são corredores de vida, representam alguns dos habitats com maior biodiversidade e valor ecológico e, no entanto, têm sido os que mais se degradaram: estima-se que desde 1970 se tenha perdido 85% da biodiversidade associada aos habitats de água doce em todo o mundo.

Nos chamados “serviços de ecossistemas” de valor incalculável que os rios nos fornecem – desde o fornecimento de água e outras matérias-primas, à regulação do clima e sequestro de carbono, passando pelos recursos genéticos e polinização – incluem-se muitos usos recreativos e culturais que têm desde há muito marcado a relação das pessoas com a natureza. À beira do ribeiro, do rio ou do lago, vai-se a banhos, pesca-se, caminha-se, observam-se as aves e outros animais selvagens, ou simplesmente desfruta-se de simples (mas preciosos) momentos de tranquilidade e reflexão. Estes usos recreativos são cada vez mais valorizados e reforçam a necessidade de manter os rios saudáveis para benefício das pessoas.

Felizmente, dispomos hoje em dia do conhecimento e da tecnologia suficientes para, com base nas chamadas “Soluções baseadas na Natureza”, restaurar os rios e a sua envolvente, renaturalizar os habitats e recuperar as espécies ameaçadas, essenciais ao bom funcionamento dos ecossistemas ribeirinhos. Para isso, importa reduzir a poluição causada pelos agroquímicos, remover as barreiras e infraestruturas fluviais obsoletas, remover e controlar as espécies exóticas invasoras, entre outras ameaças ao bom funcionamento destas nossas artérias fundamentais à vida. Assim haja a vontade coletiva de o fazer, e a compreensão de que a nossa saúde também depende da saúde dos rios, lagos e aquíferos.