A 21 de março de 2020 escrevi, ao meu círculo de amigos, uma nota explicando que estávamos a passar o equivalente a uma corrida de maratona. Terminava dizendo-lhes nessa altura que ainda aí estávamos no segundo quilómetro. Estávamos cheios de força e de esperança de que seria uma corrida passageira e tranquila, mas que ainda nem 5% tínhamos enfrentado da corrida.

Abril apareceu, e com ele veio o terceiro quilómetro. Verificámos que o esforço a despender não seria pouco. Começámos a entender o impacto que se avizinhava e que não seriam “favas contadas”. Quase dois meses de família e trabalho no mesmo espaço, que competia pela atenção que mereciam. Foi uma organização e uma estruturação para as quais nem todos estavam preparados. Alguns ficaram por aqui.

O verão apareceu e conseguimos correr com outro ânimo. Disseram-nos que podíamos correr descansados. Que estes primeiros 10kms seriam demonstrativos que iríamos chegar bem e que a meta estava ultrapassada.

Entre o 10º e o 14º km, que é como quem diz, entre agosto e outubro, sentimo-nos bem, felizes, com um sorriso e a pensar “se isto é assim, continuo em grande forma”. Só que… no 15º km, ou seja, no mês de novembro, aparece a primeira “dor de burro”. Aquela dor chata, junto ao estômago e a contrair as costelas. Aí ficámos de imediato atordoados, mas passamos o 16º e 17º km. A primeira metade está aí quase a chegar. Passámos nas zonas de reforço, hidratação, tomámos umas bebidas tónicas, digerimos o gel energético milagroso e de cores florescentes e pensámos: “agora é que é”! O Natal e o Fim de Ano já cá cantam.

Mas, o km 20 parecia não chegar. Afinal, as bebidas ingeridas só nos deram alento por 200 metros. As pernas voltaram a quebrar. Os pensamentos desmotivadores começaram a zurzir na cabeça: “ainda nem a metade cheguei” ou “se desistir agora, invento uma desculpa de uma dor no dedo mindinho do pé esquerdo, resolvo o assunto e ninguém diz que fui um fraco”.

A realidade em que nos encontramos podia ser esta. Contudo, um maratonista sabe perfeitamente que nestas situações tem de ser racional. Tem de enfrentar a dura realidade e comunicar internamente (consigo mesmo) de forma assertiva. Assumir que, chegados aqui, tem um compromisso e a missão de chegar ao fim, sabendo a dor que tem pela frente.

Já fizemos metade da prova. Temos de pensar estratégica e taticamente. As dificuldades físicas estão ainda para vir. Entre o km 20 e 30 da maratona, ou entre janeiro e março, o peso do corpo começa a aumentar. As pernas precisam de hidratar mais frequentemente. Taticamente reabastecemos várias vezes. A logística tem de estar no máximo operacional, de forma a minimizar a sanidade mental e as lesões físicas.

Chegados aos 30 km ficaremos felizes, pensando que o pior já passou. As forças físicas e mentais aumentam e o ânimo também.

Só que… quando achávamos que já estaríamos alinhados, chega o famoso km 34 ou 36. A conhecida “parede” das maratonas. Damos de caras com um corpo sem forças para enfrentar aqueles últimos 5 a 6 km. Na realidade estamos a falar agora do “choque económico” que o país enfrentará, que estava latente mas esquecido pelo ruído dos pensamentos emocionais vividos.

Os últimos 5 km são aquela fase onde os braços empurram as pernas e rastejamos até à meta. Mas asseguro-vos que os últimos 100 m serão uma loucura de prazer, de quem superou um dos seus maiores desafios físicos e psicológicos da vida. É mesmo um arrepio na espinha passar a meta!

O segredo para chegar ao fim? É garantir uma cabeça racional, ritmo constante, calmo e sem ansiedade. Não escolher o caminho fácil, mas aquele que é honesto!