O novo regime especial para as infrações económicas

Material e conceptualmente, uma contraordenação é um facto ilícito e censurável que preenche um tipo legal no qual se comine uma coima, aplicando-se-lhe subsidiariamente as normas do Código Penal. Processualmente, a Constituição deixa cristalino que é no seu artigo 32.º sobre as garantias de processo criminal que garante que nos processos de contraordenação são assegurados ao arguido os direitos de audição e de defesa.

Independentemente do Tribunal em que seja julgada a prática da contraordenação, são aplicáveis, por remissão direta do Regime Geral das Contraordenações ou de remissão em remissão dos regimes especiais para o geral, os princípios reguladores do processo criminal.

Apesar da existência do Regime Geral das Contraordenações, são muitos e cada vez mais os regimes sancionatórios especiais que se sucedem com soluções diferentes para as mesmas questões fundamentais. A título de exemplo, estão em vigor regimes contraordenacionais especiais para os sectores energético, bancário e segurador, para as infrações ambientais, ao mercado de capitais, às telecomunicações ou à concorrência, que convocam respostas diferentes e, por vezes, antagónicas, para os mesmos problemas.

Se no regime geral das contraordenações, no regime geral das infrações tributárias, no código da estrada ou na lei quadro das comunicações eletrónicas, a coima aplicada só pode ser agravada pelo Tribunal caso a situação económica e financeira do arguido melhore significativamente, em regimes sancionatórios como o da concorrência, o bancário, o da auditoria ou o da atividade seguradora não proíbem a reformatio in pejus, o que significa que a coima aplicada pode ser aumentada caso o arguido impugne judicialmente a decisão condenatória, numa solução de constitucionalidade bastante duvidosa.

Não encontramos, porém, qualquer justificação para o tratamento de forma diferenciada de uma matéria que é substantiva e cuja solução deve, na nossa opinião, passar pela consideração da natureza do ilícito – sancionatório/contraordenacional – e não pela matéria sectorial que esteja em causa.

Numa perspetiva mais processual, uma situação em que temos 20 dias úteis para recorrer de uma decisão por alegada divulgação de um único anúncio por publicidade enganosa e o mesmo prazo para recorrer de uma decisão da CMVM que aplique uma coima pela suposta prática de dezenas de infrações de quatro ou cinco tipos contraordenacionais diferentes é paradigmático e, pelo menos nós, não encontramos razão para esta opção legislativa.

Os exemplos são vários e estão muito longe de caber neste espaço.

Temos vindo a defender em diversas ocasiões uma reforma no direito sancionatório no sentido da aprovação de um Código das Contraordenações de forma a criar harmonia no tratamento das infrações da mesma natureza e contribuir para uma justiça mais célere e eficaz, ainda que prevendo-se diferentes soluções para alguns aspetos, nomeadamente meios de obtenção de prova mais ou menos intrusivos consoante a gravidade do tipo de ilícito ou formas de processo diferentes consoante os tipos contraordenacionais.

Parece-nos, contudo, que continua a avançar-se no sentido oposto. Com efeito, na Lei do Orçamento do Estado para 2020, o Governo foi autorizado a aprovar o regime jurídico das contraordenações económicas, considerando-se como contraordenação económica a violação de disposições legais e regulamentares relativas ao acesso e ao exercício, por qualquer pessoa singular ou coletiva, de atividades económicas nos setores alimentar e não alimentar e para o qual se comine uma coima.

Conseguimos identificar contraordenações ditas económicas dispersas por mais de 150 diplomas, nos quais são punidas as violações de regras relacionadas com matérias tão diferentes como a segurança das instalações, os contratos celebrados à distância, o funcionamento dos estabelecimentos, a rotulagem, as práticas comerciais desleais, as práticas restritivas do comércio, o turismo e o alojamento, o fabrico e a comercialização de produtos alimentares, o transporte de mercadorias perigosas ou as ourivesarias e contrastarias. No essencial, aplicam-se a todas estas infrações as regras do Regime Geral das Contraordenações.

Com a referida autorização prevê-se a possibilidade de categorização das contraordenações como muito graves, graves e leves, o aumento dos limites máximos das coimas, bem como a criação de “um regime processual adequado”, “eficaz, proporcional e dissuasor” a ser aplicado pela ASAE como principal entidade com competência para a fiscalização, instrução e decisão.

Ou seja, teremos em breve mais um regime contraordenacional especial. Parece que ainda não é desta que se avança para uma visão global, estabilizada e uniforme do ilícito contraordenacional.