Rui Pinto não pode ser protegido pela figura do ‘denunciante’, mesmo quando as diretivas europeias forem acolhidas pela tranquila Justiça portuguesa, porque não trabalhou dentro das organizações sobre as quais conseguiu obter importantes revelações.

No entanto, como sabemos, apesar de Rui Pinto não ter labutado na Sonangol, os Luanda Leaks, e as suas importantes revelações, já fizeram Isabel dos Santos cair do pedestal e ter de vender à pressa participações que comprou em diversas empresas nacionais. Pelo caminho, Angola quer recuperar o que for possível do roubo sofrido e até os políticos nacionais, com António Costa à cabeça, se pronunciam sobre o tema, cujas ondas de choque mais uma vez questionam o funcionamento do Banco de Portugal.

Rui Pinto não esteve em “contexto profissional” no Manchester City ou nas empresas, sediadas em Abu Dhabi, que dominam esse grande clube inglês. E, como já vimos, os Football Leaks vão atirar o clube para fora da Liga dos Campeões nos próximos dois anos, além da multa (30 milhões de euros) por atropelo aos regulamentos do fair-play financeiro que regem as competições do futebol da UEFA. E o caso, a par de outro, que ronda o PSG, discute-se em todas as latitudes.

Rui Pinto é, assim, um corpo estranho entre a cidadania e a legalidade.

O sistema instalado defende que ele é simplesmente um ladrão e quer provar que tentou ser um extorsionista. Por cá, Proença de Carvalho, ex-advogado de José Sócrates e Ricardo Salgado, está pronto para nos dedicar essa nova cruzada – e disse-o esta semana, entre os escombros daquilo que foi a SEDES. Devemos, aliás, ser gratos porque, seja qual for o assunto, ajuda saber o que pensa este singular vulto.

Sabendo onde ele está e o que ele diz, não é possível alegarmos falta de conhecimento quanto ao interesse geral da comunidade – está sempre no lado oposto. Tivesse Proença exercido no século XII em Inglaterra, e Robin dos Bosques sido mais do que uma lenda, não haveria a epopeia do homem que roubava os ricos para dar aos pobres continuar hoje a apaixonar realizadores e a tocar sentimentos – teria sido cadeia com o velhaco e o mundo a rodar como os príncipes sempre desejam.

Felizmente, a Terra também tem pessoas como Ana Gomes, capazes de lutar pela alteração das leis, por mudar e defenestrar o meio, por adequar o mundo aos novos tempos. E, neste, não pode haver dúvidas: investigue-se Rui Pinto para saber se ele tentou obter vantagens indevidas mas, ao mesmo tempo, considere-se o interesse público acima da hipocrisia reinante, do sistema tornado um fato à medida, e investigue-se também toda a matéria de facto, as informações recolhidas, como pretendem fazer diversos países da Europa, e não já só apenas França e Holanda.

A luta contra o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo tem diretivas comunitárias, como sustenta e bem Ana Gomes, que podem e devem dar outro enquadramento a Rui Pinto.

Este caso confronta, ainda, a sociedade portuguesa com a tradicional proteção do sistema aos atores políticos e económicos. O negócio e os legisladores são mesmo ligados, de forma direta, pelos grandes escritórios de advocacia, nos quais se mesclam pessoas do PS e do PSD – o chamado bloco central dos interesses. Escolher entre quem dá a conhecer e quem se especializou em ocultar será, cada vez mais, uma batalha da Democracia do futuro. Entre Ana Gomes e Proença de Carvalho a opção parece-me simples.