Os teólogos e historiadores nipónicos dividem-se entre os que consideram que o atual imperador Akihito ainda é o chefe máximo do xintoísmo e os que indicam que essa leitura terá cessado com a derrota política e militar de seu pai, o imperador Hirohito.

A verdade é que, nos nossos dias, o imperador é uma figura de referência e reverência, mas a modernização do Japão, as suas consagrações constitucionais do pós-guerra mundial, colocaram um imenso mar entre a História e a realidade de hoje.

Em japonês tennõ é uma consagração intemporal, uma decorrência da inacessibilidade que os soberanos consagravam na relação com os seus povos. Ela leva-nos exatamente à simbólica imperial, quase se confundindo, assumindo uma similitude secular. Muitos dos que rezaram sobre a tempestividade dos imperadores consagraram uma outra designação: mikado, enquanto intercetor com os deuses, simbólico São Pedro que detém as chaves da porta sublime.

Mas afinal de que líder piedoso se fala na assunção de uma tal forma de ver o mundo enquanto religião?

Os imperadores assumiram tarde essa leitura dual de controlo dos seres. Durante milénios a cultura era rebelde, profusamente vivida em liberdade absoluta e com exames míticos dispares. O tempo joomon, que a cultura popular situa entre 8.000 e 7.000 anos AC, terá feito nascer a religião de que falamos, politeísta, difusa, localista.

O que fez desses movimentos um culto estruturado, inteligível e venerável? Há quem situe os confrontos com o confucionismo e com o budismo, entre os séculos VI e VIII, como a raiz que aqui nos trouxe, a leitura integrada de um sistema de valores e de um conjunto de respostas para todos e cada um dos seres do Império do Sol Nascente.

Ao contrário dos diversos movimentos do cristianismo, ou da leitura de integração e dependência que o islamismo concede ao poder temporal, o xintoísmo só se assume como religião de Estado em tempo recente, em meados do século XIX. Por isso, a sua vida agregada às obrigações e imposições públicas é tão curta, uma vez que o imperador, vencido em guerra que alastrou ao globo, se viu reprimido num canto do que havia conseguido em séculos passados.

O fim do estatuto de divindade que Hirohito assumiu na sua derrota pessoal, trouxe, por isso, o fim da liderança afirmada, endeusada, do xintoísmo que se avocava como bastante para a existência do divino material.

As religiões orientais assumem, como se foi dizendo em textos passados, uma relação profunda com a natureza. Se quisermos, o início era quase darwinista ainda que de efeitos anticientíficos. Mas não tardou a que o criacionismo se tivesse atravessado nos seres nipónicos, nos que inventam a teologia incomum e imaterial dos xintoístas, quando determinaram a existência do seu Adão e Eva, elementos míticos de onde nasceram as ilhas que compõem o território atual.

Mas o que é hoje o xintoísmo? Tão-só um repositório de práticas que ainda retêm os mais velhos dos japoneses. Se há território onde a desnecessidade religiosa se apresenta é mesmo o das ilhas que se colocaram no centro do globo, a par de Israel, como sempre quiseram fazer acreditar os escribas do imperador divino.

Claro que ainda há quem siga velhas práticas em tempos e circunstâncias específicas. Claro que há, como acontece no mundo ocidental com novas seitas, reformatações que levam à incorporação de práticas externas e até anteriormente impedidas. A influência do budismo é cada vez mais nítida. Mas quando se quer saber o que é o dia a dia de um dedicado praticante, nada de melhor se encontra do que uma espécie de história para crianças, de banda desenhada tosca e até naftalínica a que se dá o nome de “Xintoísmo em Manga”.

Não sabemos muito bem como estruturar a razão perante a desconexão de ideias em tempo da velocidade da informação, da vulgarização do conhecimento. Talvez por isso se possa dizer que estas coisas da religião são para usar sem discutir. Todos podem socorrer-se desse lado simples que ajuda a resolver as coisas complexas do tempo de cada habitante da terra.