A crise que o vírus da Covid-19 desencadeou (e ainda desencadeia) obrigou-nos a adaptar a uma nova realidade.
No início, e durante a primeira vaga, por razões que não importa aqui invocar, vi-me a cumprir os meses de isolamento que me calharam no Alentejo, na minha terra natal, Alvito. Longe estava eu de imaginar que ali, durante muitos meses, o vírus não entraria, para nossa alegria. Fiquei por casa, salvo raras excepções, como a maioria dos portugueses cuja profissão e condições lhes possibilitaram tal solução.
Das poucas vezes que saí de casa para apanhar um pouco de ar fresco e andar para desentorpecer o corpo acabei por sair para o campo. Nessas minhas caminhadas, ainda que não estivesse distraída, apercebi-me muito concretamente de uma alteração na paisagem, agora com uma imensa plantação de novas árvores, pequenas e quase sem espaço entre si.
Do que me informei, o investimento mais recente na zona – que já é comum um pouco por todo o Alentejo – foi feito essencialmente por empresas não portuguesas que apostaram em amendoeiras e oliveiras. Tudo isto seria óptimo se não implicasse uma produção de tipo intensivo que traz consigo bastantes problemas, alguns dos quais já sabemos hoje quais são, outros que só o futuro irá revelar.
Esta questão não é novidade, existem até alguns projectos científicos que estudam as implicações que, nos últimos anos, este género de abordagem produtiva tem vindo a ter quer no território e populações, quer nos trabalhadores. Também sei que há abordagens diferentes sobre o tema. Se uns afirmam que estas culturas ajudam ao desenvolvimento local, outros há que colocam em causa essas mesmas intenções, pelo que se devem procurar alternativas de desenvolvimento da região.
Perspectivas ideológicas e político-partidárias à parte, quando somos confrontados no terreno com esta realidade, aí percebemos melhor como a mudança está a ocorrer neste território em particular. Para mim, nascida e criada no Alentejo não urbano, parece-me que este caminho não é o desejável.
As desigualdades do país, aos mais variados níveis, como já aqui referi diversas vezes, não parecem estar a ser minoradas com a intenção de deixar este território ao “Deus dará”. As entidades locais e regionais parecem não conseguir combater esta realidade. E eu pergunto porquê.
O óbvio, a “olho nu”, será a falta de reinvestimento daquilo que é o suposto lucro deste tipo de agricultura intensiva, tendo presente os já conhecidos (mas ignorados) problemas relativos à mão-de-obra, com trabalhadores a laborarem demasiadas horas e em condições pouco dignas e injustas, sendo que muitos deles se encontram longe dos seus países de origem, logo estarão ainda mais desprotegidos.
Gostava de saber se existe alguma mais-valia, até em termos de emprego local, de fixação de nova população? E se houver, será que compensa no cálculo custo-benefício quando estamos a colocar em causa a biodiversidade de um território? Ninguém vai acreditar que os pesticidas e fertilizantes usados na produção intensiva são bons para o meio ambiente, flora e fauna, e, em última análise, para as populações que vivem na região.
Há uns tempos, passaram em vários canais de televisão reportagens colocando em causa a sobrevivência de aves aquando da colheita mecânica noturna de azeitonas nos olivais intensivos, o que mais uma vez coloca em risco o equilíbrio do ecossistema. Ainda há dias uma notícia sobre a destruição de uma anta numa herdade perto de Évora causava sururu. Mas o que está a ser feito para combater e/ou mitigar estas acções? Como estamos nós a prevenir estas afrontas ao nosso meio ambiente e à nossa cultura? O que estamos a fazer para que possam ser revertidas e corrigidas?
Em tempos difíceis de pandemia a consequente crise económica, o interior do país, este Alentejo da minh’alma, ainda vai ser mais esquecido. Temo que tudo o que torna esta região apaixonante, não só para quem ali nasceu mas para quem a visita, além da alma da população e da gastronomia, e das paisagens de antigos sobreiros e azinheiras, passe a ser apenas e só uma miragem de um tempo longevo.
Numa altura em que o mundo ocidental coloca o foco no ambiente e a sobrevivência do ser humano no “regresso às raízes”, a busca pelo que é local, onde os resistentes que ficaram no território esquecido lutam para manter os produtos tradicionais, ter o seu negócio e fazer a sua vida, voltar as costas a este desafio não pode ser solução. Costuma dizer-se “antes boa cautela que mau arrependimento” ou “cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém”, e, eu, cautelas vejo poucas ou nenhumas.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.