Todos temos presente os fenómenos de desresponsabilização/responsabilização que consistem em atirar areia para os olhos, vulgo criar factos alternativos para justificar ou fugir de situações difíceis. Tal apenas acontece porque se empolam situações vazias de conteúdo e que, repentinamente, obrigam a um salto no escuro para fugir de justificar as situações criadas.
Recentemente, temos sido inundados com fenómenos deste tipo. Embora já estivéssemos quase habituados às notícias absurdas do outro lado do Atlântico, o processo de indigitação do Juiz Kavanaugh para o Supremo Tribunal Federal dos EUA, a acusação de violação que impende sobre Cristiano Ronaldo, o processo eleitoral brasileiro, ou o processo político em torno de Tancos merecem uma atenção ponderada.
Em todos estes processos existe uma matriz comum: o regresso da memória de alguns que, repentina e inusitadamente, renasceu. Num momento, um “awakening” poderoso em circunstâncias nunca devidamente explicadas.
Um candidato a juiz acusado por comportamentos indevidos de 30 anos, uma “professora” que sofreu durante nove longos anos as amarguras de uma situação para a qual não contribuiu, o perfil traçado a um candidato que pode vir a ser eleito democraticamente pelo povo, sob a acusação de que é fascista, ou aquilo que corre o risco de se tornar uma novela, tal a criatividade, as faltas de memória e as acusações graves que impendem sobre um responsável político, que, por acaso, é ministro de uma pasta de Estado tão fundamental como é a Defesa e tutela das Forças Armadas.
Todas estas situações são extraordinariamente polémicas, põem em causa instituições ou ídolos, derivam de factos poucos claros ou no mínimo estranhos, levam-nos a duvidar de todos e põem-nos a discutir na praça pública a imagem daquilo que mais queremos preservar.
Recuperar um passado longínquo, mexer em arquivos empoeirados ou mentir. Mentir muito. Testemunhas que se contrariam ou contradizem, participantes que se recuperam. Documentos ou provas que se perdem ou se adulteram.
Juiz, presidente, figura nacional ou político. Venha o diabo e escolha aquilo que se questiona. São instituições e não pessoas. Merecem atenção e cuidado. Em todos os casos, parece valer tudo. Podemos defender ou criticar os protagonistas mas, em todo o caso, mesmo que se venha a provar que se tratou de uma maquinação, o mal está irremediavelmente feito para todos. A imagem de cada um fica marcada. Porque todos se encarregaram de fazer o respetivo julgamento e ditaram a sentença.
As situações em si nada têm em comum. E em relação a cada um, alguém terá oposição ou apoio: decisões conservadoras, futebolista de sucesso, futuro líder de um país amigo ou político que se exige exemplar. Em relação a todos ocorre que ninguém é culpado até sentença transitada em julgado. Nada de mais falso. Todos passarão a carregar esse fardo. Era isso que pretendia cada um dos denunciantes que descobriu a consciência e recuperou memória. Isso ou dinheiro.
Em cada caso terei uma posição pessoal para julgar os futuros atos que estes protagonistas praticarem. Mas, por ora, não interessa o que pode acontecer. Exceto, claro, se os comportamentos se comprovarem. Mas, se não forem, ninguém se vai disponibilizar para uma lavagem pública de memória. Muitos menos aqueles que acham que por serem figuras públicas podem ser crucificadas. E isso é inaceitável.