A Autoridade Tributária (AT) divulgou as Estatísticas do IRC para 2014/2016. Oportunidade para mais uns títulos e comentários na imprensa diária, que não primam pelo rigor. Por exemplo: “Um terço das empresas não paga IRC. Seriam o dobro se não fosse o PEC” (Diário de Notícias, 25JUN18); “Uma em cada três empresas não paga IRC” (O Jornal Económico, 22JUN18).

A primeira confusão é identificar-se o universo empresarial em Portugal – 1.196 mil empresas1 (INE/2016) – com as empresas que fazem Declaração de IRC, 440 mil (AT/2018). Logo, é muito maior o número de empresas que não pagam IRC, porque pagam impostos das suas actividades empresariais (muitas com pessoal ao serviço), por outras vias, nomeadamente do Regime Simplificado na Declaração Modelo B do IRS. A segunda confusão é não perceber que o PEC (Pagamento Especial por Conta) é um pagamento de IRC. Aliás, tantas vezes pago a taxas superiores aos 21% fixados.

Este é o resultado de uma leitura, no mínimo, esquemática e “aritmética”. Não tem em conta a realidade e a natureza do tecido empresarial português, como o domínio absoluto das microempresas (96%). Esquece-se que a “lógica económica” dominante, numa percentagem muito elevada das cerca de 815 mil empresas individuais, isto é, 68% (815.167 em 1.196.102) do universo empresarial, e mesmo de muitas sociedades que são microempresas (88%, 335.844 em 380.935), não é o lucro, mas o posto ou postos de trabalho criados e a obtenção dos respectivos salários. (As 815.167 empresas individuais têm ao seu serviço cerca de 900.000 trabalhadores, ou seja, em média não se chega aos dois trabalhadores por empresa, ou, o que é o mesmo, a sua imensa maioria tem um trabalhador…).

Simultaneamente, esquecem-se de trazer aos comentários o facto extraordinário do ponto de vista fiscal de haver 65.764 empresas que, não tendo resultados da sua actividade económica, isto é, lucros, pagam IRC, por via do absurdo do PEC!

Para o ramalhete ficar completo, o mesmo DN questiona um docente da Universidade Católica, que é categórico: “É um erro se o Governo e o Parlamento decidirem acabar com o PEC (…)”. Acrescentando: “Vai haver ainda menos empresas a pagar IRC. O fim do PEC é uma daquelas bandeiras políticas estranhas que une o PCP e o CDS”. Mais uma vez pouco rigor.

A extinção do PEC ficou estabelecida no OE para 2017 (proposta do PCP), o que foi consolidado pela Lei n.º 10-A/2017, de 29 de Março. Ninguém vai decidir. Está decidido que acaba em 2018. Seria notável que, mais uma vez, o PEC sobrevivesse.

Haverá mais empresas a pagar, e de forma justa. O fim previsto do PEC (ver Lei n.º 10-A/2017) não é a isenção de IRC, mas outra forma de o pagar, ajustada às pequenas empresas, por via “de coeficientes técnicos-científicos por sector e ramo de actividade na determinação da matéria colectável”.

O CDS nunca esteve do lado dos que defendem o fim do PEC. Tal como o PS. O PSD, umas vezes sim (quando na oposição), outras vezes não (quando no Governo). O PCP, sim, sempre pela extinção do PEC.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

1 Referimo-nos sempre ao universo das empresas não financeiras. A inclusão das financeiras não alteraria a reflexão, pois são apenas 18.104 em 2016.