Perto do final do clássico da sétima arte “O Feiticeiro de Oz” a Dorothy interpretada por Judy Garland repete que “there’s no place like home” ao mesmo tempo que bate com os calcanhares três vezes, regressando de imediato à casa materna, de onde fora retirada por um tornado que a levara à terra mágica de Oz.

Para milhões de portugueses e muitos outros milhões à volta do mundo o regresso a casa foi mais trágico do que mágico, decorrendo do confinamento provocado por um coronavírus assaz menos carismático do que a Bruxa Má do Oeste fadada a derreter muito mais facilmente do que as vacinas debelam a pandemia de Covid-19. Mas tal como Dorothy e o seu cão Toto habituámo-nos depressa a percorrer a estrada de tijolos amarelos que nos encaminhou para as grandezas e misérias do teletrabalho e permitiu um conhecimento detalhado de cada centímetro quadrado das habitações convertidas em delegações de escritórios.

Ao longo de todo esse tempo foi possível cruzarmo-nos, quase sempre em reuniões de Zoom, mas também em surtidas às ruas e estabelecimentos, com sucedâneos de espantalhos necessitados de cérebros, homens de lata em busca de um coração e até leões sem coragem.

Com todos eles fomos construindo um novo normal, prolongado durante mais tempo do que a maioria de nós se atreveria a adivinhar, mas foi com incontido alívio que aos poucos readquirimos velhos hábitos, fossem passar sete ou mais horas por dia no mesmo espaço que os colegas de trabalho, fazer viagens em transportes públicos talvez mais cheios do que o desejável ou saborear uma refeição no restaurante cuja comida nos habituámos a receber das mãos de estafetas que tocam à campainha para entregar almoços e jantares eventualmente ainda quentes em recipientes cada vez menos práticos à medida que se tornam mais sustentáveis. Ou fazer coisas tão simples quanto assistir a um jogo de futebol no estádio, ouvir um concerto ao vivo ou reencontrar amigos a quem há muito não se dava um abraço.

Tudo isso, que constitui o âmago das nossas existências, e por arrasto da economia e da sociedade em que vivemos, continua ameaçado pelos números preocupantes de infetados, internados e mortos. Pela frente teremos agora novas medidas que poderão evitar o pior no arranque do próximo ano. Mas é melhor ter presente que, mesmo sem vivermos no Kansas da protagonista de “O Feiticeiro de Oz”, aquele lugar algures para além do arco-íris, muito lá para cima, ainda não está garantido. Para infortúnio de todos nós.