A história tem demonstrado que o modo capitalista de produção de alimentos é desadequado para satisfazer, em quantidade e qualidade, as necessidades vitais de toda a humanidade e garantir a sustentabilidade dos ecossistemas que suportam a produção. Apesar da produtividade agrícola ter aumentado significativamente e haver capacidade produtiva para alimentar bem toda a população mundial, a lógica e o funcionamento do sistema não o permite.
Como foi bem explicado por Karl Marx, o modo de produção capitalista baseando-se na exploração do trabalho (com consequente apropriação da mais-valia pelos capitalistas) e na produção de mercadorias (valores de troca) para venda no mercado, tem como objetivo a busca incessante do lucro. Esta dinâmica cria uma rutura na interação metabólica entre os seres humanos e a terra. O metabolismo humano com a natureza é regulado pelo lado da sociedade através do trabalho humano e o seu desenvolvimento dentro de formações sociais históricas.
Segundo Karl Marx, o capitalismo aliena os trabalhadores dos meios de produção e, no processo, tanto o solo como o trabalhador, as fontes originais e duradouras de toda a riqueza, saem prejudicados.
A acumulação de capital promove uma pilhagem que resulta num profundo desequilíbrio na relação entre sociedade e natureza. Cria uma contradição. Deste modo, os solos, as águas e os alimentos ficam empobrecidos ou até mesmo envenenados. A relação dos seres humanos com a natureza através do trabalho, ao estar submetida à produção incessante de mercadorias e à acumulação capitalista, gera esta problemática. É uma produção para valorizar o capital.
Se analisarmos a teoria, as previsões de Karl Marx revelaram-se corretas. Podemos verificar que o modo de produção capitalista de alimentos tem resultado em:
a) Enormes desigualdades entre classes sociais e entre países do sistema mundial. De um lado excesso alimentar, do outro escassez alimentar.
b) Emergência de oligopólios agroindustriais e distribuição concentrada em poucas empresas transnacionais, que controlam os preços dos alimentos e prejudicam quem produz e quem consome.
c) Desenvolvimento de um modelo global insustentável, baseado no petróleo barato e em exportações.
d) Promoção da industrialização da agricultura com monoculturas, agrotóxicos e irrigação intensiva que destrói os solos, a biodiversidade e esgota as reservas de água. Assistimos a uma diminuição da diversidade agrícola e a uma redução da capacidade produtiva presente e futura.
e) Sobrecarga dos ecossistemas com a produção de biocombustíveis e de alimentação para animais para abate e consumo.
f) Produção de produtos alimentares que não trazem qualquer valor nutricional ao organismo humano. Vendem-se produtos alimentares (por vezes tóxicos) e depois vendem-se os medicamentos (de preferência que aliviem mas não curem) para tratar das doenças.
g) Especulação sobre alimentos no mercados financeiros globais e a destruição de pequenas produções familiares e camponesas contribuindo para o despovoamento rural.
Estas são várias das consequências da subordinação dos interesses vitais da humanidade e da Terra ao processo de reprodução capitalista e à busca do lucro. O diretor do Programa Alimentar Mundial alertou recentemente para uma pandemia de fome. As alterações climáticas e outros problemas poderão, nas próximas décadas, fazer alastrar ainda mais a fome.
Por isso, necessitamos de mudanças sistémicas para transformar o paradigma alimentar atual. Um novo modelo de produção e distribuição agrícola que reduza os impactos ambientais no planeta e garanta uma alimentação adequada para toda a humanidade. Para alimentar as pessoas em vez de alimentar o lucro.
Dedico este artigo a Maria do Carmo Bica (1963-2020) pelo trabalho que realizou em prol da agricultura, da soberania alimentar, da economia social e solidária, do mundo rural, do Interior e dos direitos das mulheres. Uma vida pelas pessoas e pelo futuro.