As crises económicas são sempre testes de esforço para os países e as suas estruturas sociais. De um modo geral atacam mais e mais profundamente os mais fracos. São períodos em que as desigualdades crescem e onde as políticas públicas, por maioria de razão, têm que ter um pendor de reequilíbrio e de alisamento da distância entre mais frágeis e mais fortes.
Esta crise que vivemos atacou de forma particularmente severa os que já sofriam com desigualdades e assimetrias: afetou mais as mulheres que perderam mais emprego e rendimento e para quem aumentou o trabalho não pago; afetou aqueles que tinham vínculos contratuais mais débeis, os precários, os contratados a termo, os jovens e os menos qualificados; afetou as empresas mais pequenas, as menos líquidas e descapitalizadas; afetou os setores dependentes de interação social, nomeadamente os da área do turismo e da cultura, setores onde os trabalhadores são, frequentemente, mal pagos e precários.
Estes são apenas alguns exemplos, mas que revelam um choque claramente assimétrico na estrutura social e empresarial. Esta assimetria brutal faz com que se tenha impreterivelmente de pensar em formas de reequilíbrio e, ainda que transitoriamente, de divisão dos custos entre os que tiveram mais sorte e os que tiveram menos.
O tema tem sido matéria de alguma controvérsia e, por isso mesmo, queria juntar a minha voz à daqueles que defendem uma política de nivelamento das assimetrias através de um imposto extraordinário.
Não defendo nenhum tipo de austeridade, i.e., o aumento de impostos em questão não é na senda da política fiscal contorcionista dos anos troika, pelo contrário, serve para que o Estado possa gastar mais. Os Estados tiveram todos uma despesa incomensuravelmente maior em 2020 do que em 2019. Parte desta despesa vai ser financiada pela bazuca financeira, mas também pelos Orçamentos do Estado nacionais. Mas vai ser preciso mais, muito mais. Sobretudo vai ser preciso mais se quisermos efetivamente apoiar de forma séria pessoas, famílias, jovens e idosos bem como empresas que perderam muito (senão tudo) com esta crise.
Temos que garantir que a pobreza não aumenta, e que a classe média não empobrece e diminui. Temos que garantir que negócios viáveis, ainda que frágeis, sobrevivem. E para isto o Estado precisa de receita adicional.
Então, porque não pedirmos àqueles que tiveram aumento de rendimento em 2020 face a 2019 para pagarem uma contribuição extraordinária para o erário público sobre, e apenas sobre o rendimento adicional? Famílias e empresas que navegaram bem (economicamente falando, claro!) por 2020 podem dar um contributo adicional para a recuperação, por exemplo através de um adicional ao IRS ou ao IRC.
E isto nada tem a ver com altruísmo: ajudar no combate à desigualdade é bom para todos. Países menos desiguais crescem mais, produzem mais riqueza e são mais produtivos. Alarga-se a procura interna o que, enquanto a procura externa recupera, dá um novo alento às nossas empresas.
E assim a recuperação pode ser em U, com a sociedade como um todo a subir, depois de ter descido, em vez de ser em K com uns a subirem (e muitos até mais alto que o ponto de partida) e outras a descerem para níveis que uma sociedade desenvolvida e civilizada não devia permitir.