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“Um murro no estômago”. Sindicatos e comissão de trabalhadores surpreendidos com despedimento coletivo na Altice

Altice anunciou na terça-feira que vai avançar com um despedimento coletivo de até 250 funcionários. Será a primeira vez na antiga PT. Sindicatos e comissão de trabalhadores da empresa contaram ao JE que a medida deixou ainda mais receosos os trabalhadores do grupo Altice Portugal.
23 Junho 2021, 08h00

A Altice Portugal anunciou na terça-feira que vai avançar nas próximas semanas com um despedimento coletivo, o que apanhou de surpresa a comissão de trabalhadores e as estruturas sindicais. Os líderes sindicais e o coordenador da comissão de trabalhadores, que reuniram ontem com a administração da telecom, ouvidos pelo Jornal Económico (JE), revelaram que a decisão da administração deixou ainda mais receosos os trabalhadores do grupo Altice Portugal. Os representantes dos trabalhadores estão expectantes sobre os efeitos da medida e aguardam, agora, desenvolvimentos sobre a prometida reabertura do diálogo para revisão do acordo coletivo de trabalho (ACT), tendo em vista aumentos salariais em todo o grupo.

No âmbito de um plano integrado de reorganização, justificado pelo “contexto muito adverso” no sector e com “o ambiente regulatório hostil”, o operador anunciou que vai avançar com um despedimento coletivo de até 250 funcionários. A empresa acredita, contudo, que o despedimento coletivo afetará apenas cerca de cem funcionários, uma vez que há a possibilidade de fechar acordos de rescisão por mútuo acordo, com indemnizações mais vantajosas. A medida ocorre depois de em março a Altice ter acordado a saída voluntária de cerca de 1.100 pessoas, ao abrigo do Programa Pessoa.

“Levamos um murro no estômago”, começou por afirmar Francisco Gonçalves, coordenador da comissão de trabalhadores do grupo Altice Portugal, que esteve reunida com o presidente executivo da telecom, Alexandre Fonseca, na manhã de ontem.

A reunião serviu apenas para a administração da empresa manifestar a intenção do grupo. Por isso, ainda não foi fornecida à comissão de trabalhadores “informação detalhada” sobre que trabalhadores serão abrangidos, que empresas serão abrangidas e que critérios foram usados para a seleção, tal como a legislação laboral determina.

Realçando que “a comunidade laboral [da Altice] está completamente arrasada, a interiorizar o que aconteceu”, Francisco Gonçalves criticou a decisão da empresa, por considerar que não são “algumas centenas de trabalhadores despedidos” que vão aliviar a folha salarial.

“Na folha salarial das empresas da Altice em Portugal quanto representa estas centenas de trabalhadores? É uma gota de água no oceano. Tem de haver aqui um racional diferente do que aquele que nos querem fazer crer “, acrescentou. Para o coordenador da comissão de trabalhadores, a administração da Altice está a usar o despedimento coletivo “como uma arma de arremesso contra reguladores e o Governo”.

Francisco Gonçalves recusa-se a aceitar a medida, por isso, relembrando que, em 2015, quando a Altice adquiriu os ativos da antiga Portugal Telecom garantiu que não iriam haver despedimentos. “Espero que os trabalhadores entendam e as organizações representativas dos trabalhadores entendam que temos que usar mão de todas as ferramentas que tivermos à nossa disposição para defender estes postos trabalho”, vincou.

“Não podemos permitir isto, nem com esta argumentação sobre a Anacom [Autoridade Nacional de Comunicações] e outros reguladores ou Governo, nem com a argumentação da pandemia quando ainda há pouco teceram loas aos resultados de 2020 e do primeiro trimestre de 2021”, concluiu.

Depois de reunir com a comissão de trabalhadores o CEO da Altice Portugal e o chief corporate officer, João Zúquete da Silva, que tem o pelouro dos recursos humanos, reuniram ao início da tarde de ontem com as estruturas sindicais representativas dos trabalhadores do grupo Altice Portugal. A reunião com os sindicatos estava marcada desde 11 de junho, embora fosse aguardada pelos sindicalistas desde o final de maio.

 

Sindicatos alertam para “implicações sociais” de um despedimento coletivo

Ao que o JE apurou junto dos sindicalistas, Alexandre Fonseca reiterou que a empresa vai privilegiar as rescisões por mútuo acordo, admitindo a hipótese do despedimento coletivo perder o efeito se a maioria dos trabalhadores aceitar sair com acordos de rescisão. Embora também não tenha revelado às estruturas sindicais que trabalhadores serão contactados para abandonar a Altice, o CEO adiantou que a lista de pessoas está feita, tratando-se de “equipas de trabalho transversais à atividade da empresa”, de departamentos que estão a passar por uma “reestruturação interna”.

Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Empresas do Grupo Altice em Portugal (STPT), Jorge Félix, apesar dos receios manifestados pelos sindicalistas, Alexandre Fonseca garantiu que, “me princípio, os trabalhadores selecionados não o foram por retaliação ou situações pontuais”.

No entanto, o líder do STPT assegurou que a medida “tem implicações sociais”. “Uma coisa são rescisões por mútuo acordo como aconteceu no Programa Pessoa, agora estamos a falar de um despedimento coletivo. Isto do ponto de vista social e psicológico tem um impacto tremendo”, acrescentou.

Para Jorge Félix, a medida tomada pela Altice Portugal rompe com o compromisso assumido pelo grupo quando adquiriu os ativos da antiga PT, em 2015. “Consideravam que tudo o que viesse a ser feito relativamente às organizações do grupo, ou porventura adequações de postos de trabalho, seria sempre feito pela via negocial e consensual com os trabalhadores. Nunca pela via administrativa. Neste momento, foram pela via unilateral”.

Já Manuel Gonçalves, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Telecomunicações e Audiovisual (SINTTAV), mostrou-se incrédulo não só com a medida, mas com toda a conjuntura que o grupo Altice vive em Portugal. “Não percebem as consequências que isto tem no espírito dos trabalhadores”, realçou ao JE.

O sindicalista receia, ainda, que os trabalhadores que “não assinaram contrato de cedência e aqueles que com o SINTTAV ganharam um processo em tribunal contra a transmissão de estabelecimento” estejam na “corda bamba” para o despedimento coletivo, apesar das garantias dadas pelo presidente executivo da empresa.

O líder do SINTTAV criticou, sobretudo, a forma como a administração da Altice tomou a medida. “É a política do facto consumado, primeiro decidem, só depois é que reúnem com os sindicatos”, disse. Manuel Gonçalves também frisou não compreender como é que a empresa vê no despedimento coletivo anunciado uma “solução favorável” para os trabalhadores, apenas por permitir uma rescisão por mútuo acordo. “Como é que anunciam um despedimento e dizem que é uma solução favorável para os trabalhadores?”, interrogou-se

“A empresa CTT têm 500 anos e os TLP/Marconi [aquando da transição para PT] tinham cerca de 80 anos, foi preciso a Altice vir para cá para haver dois despedimentos coletivos no sector: primeiro na Cabovisão [em 2012, quando a empresa estava integrada na Altice Portugal], e agora no grupo Altice Portugal”, acrescentou.

Receando as ramificações da decisão administrativa, o líder do SINTTAV revelou que convidou as restantes estruturas sindicais a reunirem para responderem em uníssono à medida, tomada ontem. “Estamos muito preocupados e, se os outros sindicatos estiverem disponíveis, para nós não há outra solução a não ser a luta. Propus aos outros sindicatos reunir amanhã [esta quarta-feira] pelas 10h, mas ainda não obtive respostas. Isto não pode ser assim”, concluiu.

Já o vice-presidente do Sindicato das Comunicações de Portugal (SICOMP), Luís Rijo Fernandes, que integra a União de Sindicatos da Altice, rejeitou que a reunião tenha sido negativa, afirmando apenas que está na “expectativa do cumprimento dos compromissos assumidos” pela empresa.

“Privilegiamos a negociação face a medidas unilaterais, em detrimento da imposição de saídas. Muito gostaríamos que tudo fosse feito sem perda de direitos que os trabalhadores adquiriram nos últimos anos”, salientou.

 

Altice Portugal promete avançar com revisão ACT

Além de ter sido abordada a questão do despedimento coletivo, a reunião entre a administração da Altice Portugal e o sindicatos serviu para esclarecer outros temas. O CEO da Altice Portugal, Alexandre Fonseca, aproveitou o momento para assegurar de viva voz aos sindicatos que o grupo Altice não tem em cima da mesa qualquer intenção de alienar operações em Portugal. Contudo, tal como o JE noticiou a 4 de junho, o grupo Altice Europe, onde se insere a Altice Portugal, começou a sondar o mercado para uma eventual saída de Portugal.

Jorge Félix do STPT contou que foi explicado por Alexandre Fonseca que uma eventual saída de Portugal “não faz parte de qualquer decisão da comissão executiva [do grupo Altice Portugal]”. No entanto, relatou que foi referido que se “a situação interna e a questão da regulação das telecomunicações não se alterar, eles [o grupo Altice] veem com sérias dúvidas a continuidade da Altice em Portugal e a manutenção de um investimento anual a rondar os 500 milhões de euros”.

Tal como o JE noticiou ontem, Alexandre Fonseca informou, ainda, os sindicalistas que vai convocar nas próximas semanas as estruturas sindicais para reabrir o diálogo tendo em vista a revisão do ACT, que abrangerá aumentos salariais transversais em todo o grupo Altice Portugal em 2022.

Sobre a revisão do ACT, os sindicalistas notaram ao JE que a administração da Altice aceitou ir para a mesa de negociações, embora sem certezas de se a nova revisão contemplará, retroativamente, os aumentos salariais que não se verificaram em 2020 e 2021.

Quanto ao ACT, Manuel Gonçalves do SINTTAV lembrou que a Altice tem do seu lado uma proposta da Frente Sindical (SINTAVV, STPT, SNTCT, STT, SINQUADROS e FE), enviada no início de junho. A proposta prevê um salário mínimo de 850 euros em todas as empresas do grupo Altice, em Portugal, além “atualização de todas as cláusulas de expressão pecuniária, incluindo o prémio de reforma/aposentação”, a “valorização das carreiras/categorias com a criação do 6 nível de proficiência e um aumento significativo na tabela salarial a implementar faseadamente entre 2022 e 2025..

O líder do SINTTAV exigiu, segundo contou ao JE, uma resposta da empresa a essa proposta, cujo prazo legal de resposta termina a 27 de junho. Questionado sobre o que fará a Frente Sindical caso não haja resposta, Manuel Gonçalves admitiu que se poderá avançar para a conciliação (negociação assistida por uma terceira entidade tendo em vista uma solução), embora seja necessária a concordância das restantes estruturas sindicais para isso.

“Esperamos uma resposta porque gostaríamos de continuar com o diálogo diretamente com a empresa”, concluiu Manuel Gonçalves.

A Altice Portugal tem hoje 12.500 trabalhadores com um vínculo direto ao grupo, dos quais 5.500 foram admitidos nos últimos dois anos. No mesmo período, a Altice Portugal investiu 100 milhões de euros em saídas voluntárias e rescisões por mútuo acordo. O grupo conta hoje, direta e indiretamente, com um total de cerca de 17 mil trabalhadores.

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