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Alunos de Geografia identificam problemas locais e apresentam soluções no projeto “Nós Propomos!”

Cerca de 50 escolas aderem à iniciativa que visa promover uma efetiva cidadania territorial local. Algumas propostas são implementadas pelas autarquias e muitos problemas acabam por ser resolvidos. Os jovens adquirem “uma nova consciência cívica e política”, enaltece o professor Sérgio Claudino.
5 Novembro 2018, 17h05

Está em curso a 8ª edição do projeto “Nós Propomos! Cidadania e Inovação na Educação Geográfica”, uma iniciativa dirigida a alunos e professores de Geografia, com o objetivo de promover uma ativa cidadania territorial local. No âmbito do “estudo de caso” previsto no programa da disciplina de Geografia, os alunos são desafiados a identificar problemas locais e apresentar propostas de resolução, desde a recuperação de um edifício abandonado até à alteração do percurso de uma carreira de transportes públicos, entre outros exemplos práticos. Além das escolas secundárias (no presente ano letivo serão cerca de 50 no total, de norte a sul do país), a iniciativa procura envolver universidades, autarquias, empresas e associações, através de protocolos de cooperação.

Na génese do projeto destaca-se Sérgio Claudino, professor do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT) e investigador do Centro de Estudos Geográficos (CEG) da Universidade de Lisboa. “A ideia é promover uma ativa cidadania territorial local, através da identificação de problemas socio-ambientais da comunidade pelos jovens, a realização de trabalho de campo sobre os mesmos e a apresentação de propostas de solução ou intervenção e, por último, a partilha destas propostas tanto no IGOT como nas comunidades, sendo privilegiada a relação com as autarquias locais”, explica Claudino.

 

“Como os próprios alunos reconhecem, passam a olhar para a comunidade de uma forma diferente. E esta educação para a cidadania territorial constitui o principal resultado do projeto”.

 

Que balanço é que faz desta iniciativa criada no ano letivo de 2011/2012? “Do meu ponto de vista, o projeto demonstra que é possível, com uma metodologia simples e recursos escassos, na disciplina de Geografia, levar os jovens a olharem para a comunidade com um espírito interpelativo e crítico, identificarem problemas e procurarem soluções, desenvolvendo competências de pesquisa e de tratamento de informação. Como os próprios alunos reconhecem, passam a olhar para a comunidade de uma forma diferente. E esta educação para a cidadania territorial constitui o principal resultado do projeto”, responde.

“O total de propostas implementadas é reduzido, o número de propostas apresentadas é muito superior. Contudo, a experiência do projeto diz-nos que quando um grupo de jovens se debruça sobre um problema local e realiza inquéritos públicos sobre o mesmo, esse problema torna-se mais presente no debate público e, frequentemente, acaba por ser resolvido. Embora os alunos não tenham uma consciência imediata disso”, acrescenta Claudino. Por outro lado, não deixa de lamentar “a falta de recursos humanos e financeiros no desenvolvimento do projeto”.

 

Expansão para outros países

Nascido em Portugal, o “Nós Propomos!” foi entretanto implementado em Espanha, Moçambique, Brasil, Colômbia e Peru, adaptando o conceito às especificidades locais. “É uma referência no espaço ibero-americano. É o projeto educativo com origem em Portugal que alcançou uma maior internacionalização, o que também constitui um indicador de sucesso”, enaltece Claudino. Além dos referidos países, “vai ainda alargar-se ao México e temos a expectativa de que se alargue a outros países ibero-americanos”.

Claudino é um dos fundadores do GeoForo (Foro Iberoamericano sobre Educación, Geografía y Sociedad), o qual providencia “uma rede de contactos que acabou por favorecer a expansão do projeto ‘Nós Propomos!’ O alargamento ao Brasil deu-se através de colegas que estiveram em Portugal, no IGOT, e observaram o funcionamento do projeto. Em relação a Espanha, a ideia de expansão resultou da divulgação em congressos internacionais. Multiplicam-se os contactos e surge o interesse em adotar o projeto. Por exemplo, em agosto estive numa conferência da União Geográfica Internacional, no Canadá, como investigador do CEG. Apresentei o projeto e um colega da principal universidade mexicana manifestou interesse em que a sua universidade aderisse ao projeto”.

 

Formação cívica e política

A partir do contacto que mantém com os jovens no projeto, considera que têm consciência política, interesse na participação em atividades cívicas, vontade de intervir no espaço público, sentido de comunidade? “Geralmente contacto com os jovens durante a realização do projeto, quando estão preocupados em definirem o problema de estudo, em recolher informação, pensar na melhor solução, etc. Não é imediata a transformação da sua consciência política, essa reflexão surge depois nas respostas aos inquéritos de avaliação, realizados no final do ano letivo. Nota-se uma diferença muito marcada nos alunos que participam no ‘Nós Propomos!’ em anos letivos consecutivos. Demonstram uma maturidade e consciência cívica e cidadã que os distingue dos restantes colegas”, destaca Claudino.

“Por todo o país realizam-se sessões de apresentação das propostas dos alunos, nas quais participam com muito gosto e empenho. É inequívoco o significado que o projeto lhes proporciona ao nível da sua formação política e cidadã. Se perguntar aos alunos se eles têm consciência política, é possível que digam que não, por a associarem à política partidária, aos partidos. Mas têm uma nova consciência política, no sentido amplo da palavra, formada ao longo da experiência no projeto”, acrescenta.

Ensinar Geografia é mais fácil ou mais difícil na época do Google Maps? “Sou o mais antigo formador português de professores de Geografia, trabalho há 32 anos na formação de professores, ininterruptamente. É mais fácil ensinar Geografia na época do Google Maps porque os alunos têm acesso a informação territorial como nunca tiveram. Mas também é mais difícil ensinar Geografia, porque a escola e a disciplina de Geografia não acompanham o desenvolvimento das tecnologias de informação, no sentido de capacitar os alunos para o aproveitamento das novas informações a que têm acesso. Se entrar hoje numa sala de aula de Geografia, lá encontrará o professor com o manual escolar, provavelmente a projetar um diapositivo, os alunos com o manual e o caderno diário, tal como desde há muitos anos, tudo igual”.

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