Os americanos vão hoje a votos. Vão escolher entre Hillary Clinton e Donald Trump. Para os observadores externos, e alguns internos, vão escolher entre uma caricatura da face negra da política e um louco perigosamente imprevisível. Partilho desta preocupação.
Ainda assim, e por muito aliciantes que sejam estas análises e o debate em curso, convém ter presentes alguns dados importantes. De repente, parece que nos esquecemos da história e robustez da democracia americana. Enquanto a Europa se dividia na escolha entre ditaduras comunistas e fascistas, os americanos decidiam em liberdade os seus destinos, escolhiam os seus presidentes em democracia. Enquanto na Europa foram precisas guerras, ou golpes de Estado, para nos libertarmos de tiranos e lunáticos, os EUA expurgaram aberrações como Hoover e puseram na ordem infratores como Nixon – tudo em paz, através do primado da lei e do funcionamento da justiça.
No século XIX, Alexis de Tocqueville fez a sua análise da democracia na América, que ainda hoje mantém profunda actualidade, em particular no desafio implícito à velha Europa para abandonar a tradicional sobranceria com que sempre olhou o Novo Mundo, e não ter medo de largar os tiques da velha aristocracia decadente. Sim, importa perguntar se nós, europeus, teremos legitimidade histórica para questionar o povo americano e a sua praxis democrática. Serão prudentes as manifestações de soberba política a que assitimos na Europa por estes dias? Este é um desafio que seria interessante incorporar na reflexão que todos fazemos nesta época.
No rol dos grandes equívocos, encontramos tradicionalmente a direita europeia alinhada com os Republicanos e a esquerda com os Democratas. Qualquer analista sério encontrará no programa e na governação dos Democratas medidas centrais e estruturantes capazes de fazer corar a direita europeia.
O único ponto de convergência entre os Democratas e a esquerda europeia é a defesa da agenda jacobina em matérias como o aborto, o casamento gay ou a eutanásia. Ainda assim, a esquerda europeia insiste em banir Deus da sociedade, os Democratas mantêm-No no centro, com todas as incongruências enunciadas. Do lado da direita europeia, encontramos os mesmos equívocos, ninguém por cá defende em seu juízo a liberalização das armas, a pena de morte ou o fim da segurança social. São sociedades que, apesar de se inscreverem com plena propriedade na matriz Ocidental das democracias, são significativamente diferentes entre si, não permitindo o decalque de conceitos e de premissas de análise.
Por fim, circula nas redes sociais um apelo aos americanos que não escolherão apenas o seu Presidente, mas “o” líder mundial. Nada mais patético. Os americanos sempre escolheram, apenas e tão-só, o seu Presidente; e bem. Essa escolha tem resultado, embora nem sempre, em grandes líderes porque são os que reforçam a grandeza e a força da América e, nos momentos críticos, tem sido mais o que nos une do que o que nos separa.
Obama é um excelente Presidente, mas convém não esquecer que se virou para o Pacífico e para o sul do continente, voltando ostensivamente as costas à Europa e a África. George W. Bush foi um mau Presidente, mas governou com a Europa e ajudou África com meios e eficácia nunca antes vistos. Provavelmente, os que sonham com um presidente americano para a Europa esquecem os factos e preferem Obama a Bush. O Presidente dos EUA deve fidelidade ao seu país e governa no melhor interesse dos americanos. Ponto.
A Europa, velha senhora aristocrata, ao continuar à espera que os novos-ricos americanos resolvam os seus problemas e defendam os seus interesses, só revela a sua indisfarçável decrepitude, por muito lustrosa que possa ser a linhagem.