A queixa entregue por entidades que representam retalhistas como a Amazon, IKEA e Carrefour junto da Comissão Europeia denuncia as “elevadas taxas” cobradas pela Visa e Mastercard (redes de pagamentos) e divide os analistas contactados pelo Jornal Económico (JE) sobre o impacto que a queixa pode ter no modelo de negócio das redes de pagamentos detidas pelas duas empresas. Na sexta-feira, as instâncias europeias alargaram o âmbito da investigação iniciada em setembro e alertam que as duas empresas podem enfrentar multas devido a práticas contra a concorrência.
A Visa e a Mastercard dominam o mercado no que diz respeito ao processamento de transações ao nível das redes de pagamento. De acordo com a Valutico (empresa de avaliação de software), que está presente em 90 países e sustentada pelo Nilson Report de 2023, a Visa e a Mastercard tinham um peso de 39% e 24% ao nível das transações de compras nas redes de pagamento globais, ou seja, um peso combinado de 63%. A UnionPay, empresa de serviços financeiros detida pelo Estado chinês, é outro player de relevo no setor, com uma quota de mercado de 34%. Os dados da FX Intelligence (ver imagem em baixo), fornecedora de dados sobre pagamentos transfronteiriços e que tem clientes como a Mastercard, Lloyds Bank e Banco Mundial, mostram também o peso que a Visa e a Mastercard têm ao nível da emissão de cartões e no volume de pagamentos.
Na carta de 13 de maio, consultada pela agência noticiosa Reuters e enviada à Comissão Europeia pela EuroCommerce, Ecommerce Europe, Independent Retail Europe, European Association of Corporate Treasurers e European Digital Payments Industry Alliance, que representam empresas como o Aldi, Amazon, Carrefour, eBay, H&M e Ikea, é referido que a International Card Schemes (ICS), termo que se refere às redes de pagamentos como a Visa e a Mastercard, tem sido “capaz de aumentar as suas taxas sem qualquer desafio competitivo ou escrutínio regulatório”. As mesmas entidades consideram que foi criado um sistema de taxas e regras “tão complexo e opaco” que os comerciantes são “incapazes de entender, muito menos contestar, o que estão a pagar e o porquê de o estarem a fazer”.
Nessa mesma carta, é feito um apelo no sentido da Comissão Europeia aplicar as regras de concorrência e são defendidas medidas de controlo de preços nas taxas, obrigações de transparência e não discriminação aos ICS, bem como a introdução de uma ferramenta que permita aos reguladores escrutinar as ações tomadas pelos ICS.
O grupo de retalhistas alega que as taxas da ICS aumentaram em 33,9% entre 2018 e 2022, a uma média de 7,6% por ano, valor ao qual se acrescenta também a inflação.
Na passada sexta-feira, a Reuters teve acesso a um documento em que os reguladores da Comissão Europeia anunciavam o alargamento do âmbito da investigação às taxas cobradas pela Visa e Mastercard, procurando feedback junto de empresas de pagamento e fornecedores de terminais de pagamento, deixando também claro que existe a possibilidade de as duas empresas enfrentarem multas devido a práticas contra a concorrência.
O regulador europeu, com a pasta antitruste, tem entregue questionários junto de retalhistas e comerciantes na sequência do escrutínio iniciado em setembro devido às queixas sobre as taxas da Visa e Mastercard.
O questionário tem por propósito aferir o número de taxas ou serviços cobrados pelas duas empresas entre 2017 e 2024, o número de novas taxas e serviços introduzidos e o número de mudanças. O questionário pretende também saber que esquemas ou serviços de processamento são obrigatórios, como as duas empresas informam as empresas de pagamento acerca de novas taxas ou alterações a taxas existentes, e se a informação prestada é “suficientemente clara” e se dá conta antecipadamente acerca de alterações nas taxas e serviços.
A Visa e a Mastercard já reagiram às denúncias feitas pelos comerciantes. Um porta-voz da Mastercard, citado pela Reuters, considera que a empresa oferece aos seus consumidores e negócios opções de pagamentos e recebimentos “sem complicações e preocupações, seguras e mais convenientes”.
Já a Visa afirma que as suas taxas refletem o valor dos serviços que presta aos consumidores e comerciantes na Europa. “Isso inclui níveis elevados de segurança e de prevenção de fraude, além de um nível de resiliência e fiabilidade a níveis quase perfeitos”, disse a empresa, citada pela Reuters.
“Causa disrupção” e “não deve ter qualquer impacto”: Analistas divididos sobre impacto na Visa e Mastercard
O economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa, considera, em declarações ao JE, que a queixa entregue pelos retalhistas junto da Comissão Europeia “pode causar disrupção” no modelo de negócio da Visa e da Mastercard, visto que pode colocar em causa uma das suas principais fontes de receita: “as taxas cobradas por transações com cartão”.
Paulo Monteiro Rosa alerta que, caso a Comissão Europeia decida avançar com medidas regulatórias, tais como limites aos valores cobrados, maior transparência ou imposição de obrigações não discriminatórias, as margens de lucro destas empresas na Europa “podem descer consideravelmente”.
O economista sénior do Banco Carregosa sublinha que a crescente discussão sobre alternativas, como o euro digital, também representa uma “ameaça à posição dominante” destas empresas. “No conjunto, estas pressões podem obrigar a Visa e Mastercard a adaptarem-se a novas regras, rever estratégias e eventualmente repensar o modo como operam no mercado europeu”, afirma Paulo Monteiro Rosa.
Contudo, o analista da XTB, Vítor Madeira, tem um entendimento contrário ao de Paulo Monteiro Rosa sobre o impacto que a queixa entregue pelos retalhistas pode ter no modelo de negócios das duas empresas.
Vítor Madeira salienta, ao JE, que as ações das duas empresas têm estado a cotar perto de máximos históricos no mercado financeiro, algo que, para o analista da XTB, demonstra a “robustez” de ambas as empresas.
“Não parece que este apelo tenha qualquer impacto, pelo menos para já. Estas empresas [Visa e Mastercard] dominam o setor na Europa e seria muito complexo alterar esse paradigma. Em relação aos investidores, não parece haver qualquer sinal de preocupação para ambas as empresas”, esclarece Vítor Madeira.
Já o analista da ActivTrades Europe, Henrique Valente, salienta, ao JE, que a União Europeia “pode tentar forçar” os provedores de pagamento a “serem mais transparentes” quanto às taxas praticadas, embora alerte que esses esforços historicamente “tenham resultados limitados”.
Contudo, Henrique Valente reforça que, a longo prazo, a aceleração de iniciativas como o Euro Digital, o SEPA Instant e outras soluções de pagamento europeias “será essencial para aumentar a competitividade e reduzir a dependência” de empresas americanas no mercado europeu.
Como funcionam as taxas?
Um gráfico da Gimmonix, que ajuda companhias de viagens a aumentar as suas receitas e tem como clientes a Booking e a Expedia, ilustra que taxas são cobradas para se concretizar um pagamento.
Por um pagamento de 100 dólares (87,88 euros), uma taxa de 1,75 dólares (1,54 euros) vai para o banco que detém o cartão, 0,14 dólares (0,12 euros) vão para os processadores de redes de cartões e 0,30 dólares (0,26 euros) vão para os processadores de pagamento. No final, chegam ao comerciante 97,81 dólares (85,95 euros).
Quando se efetua um pagamento, existem várias taxas (intercâmbio, avaliação e processamento).
As taxas de intercâmbio são definidas por redes como a Visa e a Mastercard e são pagas ao banco que emite o cartão. “As taxas de intercâmbio constituem geralmente a maior parte da taxa total de processamento e podem variar com base em fatores como o tipo de cartão utilizado (por exemplo, os cartões de recompensa têm frequentemente taxas mais elevadas) e o método de transação (por exemplo, pessoalmente ou online)”, salienta a Gimmonix.
As taxas de avaliação são taxas pagas às redes de cartões de crédito para processar a transação. “São geralmente mais baixas do que as taxas de intercâmbio e são calculadas como uma percentagem do valor da transação”, explica a Gimmonix.
E a isto juntam-se também as taxas de processamento que são cobradas pelo processador de pagamentos para facilitar a transação. “Os processadores de pagamento funcionam como intermediários entre o comerciante, as redes de cartões de crédito e os bancos emissores. As taxas do processador podem ser uma taxa fixa por transação, uma percentagem da transação ou uma combinação de ambas”, diz a mesma entidade.
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