A Andaluzia foi a votos no fim de semana em que Paris continua a arder devido aos infiltrados no movimento dos coletes amarelos. Dois acontecimentos separados por muitos quilómetros e que, à primeira vista, nada têm em comum. Uma ilusão como se verá a seguir. Comecemos pela Andaluzia, a segunda maior comunidade autónoma de Espanha.

O PSOE tem sido dono e senhor da Andaluzia desde as primeiras eleições livres em Espanha. Quatro décadas de domínio que terminaram no primeiro domingo de dezembro de 2018. O PSOE venceu, mas perdeu 14 deputados, não conseguirá governar sozinho e, muito provavelmente, nem acompanhado.

Na verdade, sendo muito difícil que o Ciudadanos aceite coligar-se com o partido de Susana Díaz, a única esperança do PSOE reside numa aliança com a coligação Adiante Andaluzia, formada pelo Podemos e pela Esquerda Unida, outra perdedora da noite eleitoral. Só que os 50 mandatos não são suficientes para fazer frente aos 59 logrados pelo PP – 26 eleitos, pelo Cidadanos – 21 representantes e pelo populista Vox – 12 mandatos, no caso de estes partidos se entenderem. Uma tarefa que não se afigura fácil, mas que talvez surta efeito devido ao valor simbólico que resulta do derrube da hegemonia socialista.

E o que tem esta situação a ver com as manifestações em França? Muito, se atendermos a que, num caso e no outro, os populistas se perfilam como os grandes vencedores. Assim, em França, o populismo de direita – a Frente Nacional de Marine Le Pen – e de esquerda – a França Insubmissa de Jean-Luc Mélenchon – foram lestos na tentativa de capitalizarem o descontentamento popular. Daí o elevado número de infiltrados. Por isso, o duplo pedido de eleições antecipadas.

Quanto à Andaluzia, o populista e ultra-direitista Vox mereceu a preferência de cerca de 11% dos votantes. Um resultado só possível devido às bandeiras levantadas durante a campanha e que passavam por três ideias chave: a unidade de Espanha, o combate à imigração e a recuperação de Gibraltar. Uma clara mistura de nacionalismo e populismo numas eleições regionais. Um indício de que a mensagem seria a mesma se as eleições fossem nacionais. Sendo verdade que os eleitores penalizaram a aliança dos dois partidos populistas de esquerda, não é menos certo que o populismo de extrema-direita assumiu uma pujança que promete não ser um epifenómeno.

É esta afirmação populista – de esquerda e de direita – que está a constituir uma ameaça para a democracia representativa. Até porque, ao contrário da fase inicial, os partidos populistas deixaram de ser antissistema por natureza. Passaram a ser antipartidos e antipolíticos profissionais, mas sonham com o poder. De preferência sozinhos, mas não fechando a porta a entendimentos, ainda que com os mesmos partidos que condenam na praça pública.

Uma situação na qual os partidos tradicionais têm muitas responsabilidades. Não quiseram perceber que a espécie de cordão sanitário que criaram não era suficiente para reter a onda populista. Recusaram a reflexão interna. Insistiram na manutenção da lei de bronze das oligarquias. Serviram-se da democracia em vez de servirem a democracia.

O populismo já deixou de ser a sombra da democracia de que falava Canovan. Passou a exigir mais. Anda à solta.