A um mês das Eleições Europeias, já era tempo dos partidos políticos portugueses nos andarem a alertar para os problemas de fundo que afetam a União Europeia. Mas ainda estão nos jogos de bastidores.

Nestes últimos tempos, está em moda dizer-se, como o fez Emmanuel Macron, no seu discurso na Sorbonne (25 de Abril), que é preciso parar “o declínio e a morte da Europa”.

De forma um pouco surpreendente, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, apresenta-se como candidata às eleições europeias (28/04) à frente do seu partido de extrema-direita, Fratelli d’Italia, dizendo: “queremos que a Itália seja central para mudar o que não funciona na Europa”. Este avanço de Meloni induz várias leituras, entre outras: as sondagens muito favoráveis como uma subida de seis deputados no Parlamento Europeu para 24 permitem uma grande influência na Europa e as eleições a funcionarem de referendo ao seu governo, uma prova interna de consolidação do mesmo.

António Vitorino (ex-comissário europeu), por seu lado, numa entrevista, a propósito do relatório entregue em Bruxelas, no passado dia 21 de Março, em cuja elaboração participou: “Europa 2040 – o futuro é já hoje”, que não consigo encontrar em sítio algum, também afirma que: “a única opção [para a Europa se transformar numa “potência global, sustentável e responsável”] é mudar porque mais do mesmo não serve”.

O discurso de Macron

1. Vamos ao discurso de Macron por ser uma peça “elaborada” e porque a ele tive acesso.

Durante quase duas horas na Sorbonne, no dia 25 de Abril, Macron versou o tema da “Europa pode morrer” e, para que tal não suceda – afirmou – é preciso implementar no novo ciclo, que se iniciará com as eleições de 9 de Junho, um conjunto de “decisões estratégicas”, baseado no conceito de “autonomia estratégica”, sobre o qual já, no seu primeiro discurso de 2017 sobre a Europa, naquele mesmo sítio, dissertara.

Fundamentando a premência da autonomia estratégica como um guião base da União Europeia, Emmanuel Macron refere: “os EUA têm duas prioridades: os EUA, o que é legítimo e, em segundo lugar, a China. A questão europeia não é uma prioridade geopolítica [para os EUA] para os anos e décadas vindouros, qualquer que seja a força da nossa aliança”.

2. Esta ideia básica de autonomia estratégica, como essencial à Europa, só peca por muito tardia e, sobretudo, por uma prática continuada contrária. Já em 2017 ela esteve presente no seu primeiro discurso sobre a Europa e nada se fez.

O que se passou, desde então, foi uma falha clara de autonomia estratégica, como o alinhamento nas sanções económicas que tão caras andam a ficar à União Europeia (UE), mas serviram os interesses dos EUA e cujos resultados são o baixo crescimento da economia, a desindustrialização da Europa sobretudo no automóvel e química, a subida de preços, o mau funcionamento das cadeias de abastecimento e os atrasos na IA. Um horror de problemas que só tem trazido complicações à vida dos europeus.

Mas, essa dependência sistemática continua. Nas relações UE-China sobrepõem-se os interesses americanos. A União não avança sem acordar com os EUA: Hawei, 5G, Tik-Tok… matérias-primas estratégicas… pelo que é de se interrogar se os interesses dos dois blocos serão sempre coincidentes?!

Macron e as grandes mudanças

3. Para Macron, estão em curso no Planeta um conjunto de mudanças profundas: a transição energética, a inteligência artificial, o meio ambiente, a descarbonização das economias … e a Europa ou se prepara para nelas entrar ou fica apeada. Por conseguinte, as apostas no poder da inovação, na investigação e na produção são determinantes.

A União tem andado em franco desfasamento face aos EUA, reconhece Macron. Entre 1993 e 2022, enquanto o PIB dos EUA aumentou acima de 60%, na UE nem 30% atingiu. A UE tem de construir a sua soberania europeia, se quer vencer tamanhos atrasos.

Para Macron, a soberania europeia exige uma aposta firme em três frentes: Poder, Prosperidade e Humanismo, referindo-se a cada uma delas na intervenção da Sorbonne com algum detalhe.

No Poder, salienta uma Europa a dominar as fronteiras e iniciativas fortes no campo da defesa, relevando a necessidade da expansão consistente de uma indústria europeia de defesa, tipo cooperação em curso França-Itália.

Quanto à Prosperidade, um novo modelo de crescimento e de produção bem como uma geopolítica de matérias-primas, onde a Europa tem apresentado muitas falhas de estratégia, quer na produção quer nos aprovisionamentos, nomeadamente porque é dependente de um pequeno número de países nas terras raras e outros minerais estratégicos para sectores como o automóvel, computadores, baterias. E aqui cita o processo de descarbonização das economias e da necessidade de uma política industrial na base de cinco sectores que identifica: inteligência artificial, computação quântica, o espaço para consolidar o Ariane 6, biotecnologia e novas energias. [Sobre a política industrial europeia voltaremos no próximo artigo].

Neste novo paradigma de crescimento e prosperidade, Macron afirma que, com as existentes política de concorrência europeia, política comercial, política monetária e política orçamental, a Europa não vai a lado nenhum.  De facto, só mudando muito. Simplificar para tornar uma Europa menos complicada, muito menos burocrática.

Na Europa Humanista, salienta, sobretudo, os curtos avanços quando não retrocessos, na democracia e na cooperação cultural entre os países e na sua globalidade.

Objectivos

4. Registe-se esta frase inspirada de Macron: “os objectivos são claros, mas não estamos lá e não os podemos cumprir com as nossas regras. Nós não estamos lá. Não estamos lá, porque estamos fora da sintonia com a recomposição do mundo. Não estamos lá porque regulamos demais, investimos de menos e somos demasiado abertos e não defendemos os nossos interesses de forma eficaz”.

Uma frase muito forte que também o atinge e a França profundamente. É evidente que a intervenção de Macron tem objectivos. É muito eleitoralista para o interior de França e para a sua projecção na Europa. O mesmo se diz da posição de Meloni. Só que o partido de Macron, em termos de sondagens, anda em situação difícil muito atrás de Marine le Pen, em cerca de 13 pontos percentuais.

Reina um certo desespero e Macron sentiu necessidade de dar apoio, marcando posição na Europa, aparecendo com um “pensamento estruturado e desenvolvido”, mas não muito criativo, embora com umas frases fortes como aquela em que “a Europa pode morrer”.

Estes discursos políticos levam-nos ao engano, pois deixam o fundo das questões a esvoaçar. Olhemos para a descarbonização e a inteligência artificial (IA), dois exemplos apenas.

Na descarbonização, as metas antes estabelecidas não poderão ser cumpridas no prazo previsto (2050) em cerca 40% das actividades económicas, por razões sobretudo tecnológicas, mas também financeiras. Na IA, não se fala dos consumos elevados de água e energia tão necessários, nem se aponta como os resolver.

Discursos tão empolgados, mas de mera campanha eleitoral. Não dão soluções reais. E acusam falhas de fundamentação. E assim se faz uma campanha, com muitos truques e enganos à mistura.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.