“Depois de uma cirurgia é necessário um programa de fisioterapia“. Esta afirmação de António Costa proferida em Abril de 2015 pretendeu transmitir a ideia de que, após um significativo ajustamento orçamental, seria possível “virar a página da austeridade” e atribuir prioridade absoluta ao crescimento económico. Para tal, bastaria ao povo votar no PS.
O resultado das eleições de Outubro desse mesmo ano revelou que o eleitorado não se deixou convencer. O desfecho do folhetim das legislativas é bem conhecido: as forças políticas mais à esquerda decidiram atirar uma bóia de salvamento ao líder socialista na esperança de que aquele, uma vez enxuto, os pudesse ajudar a afundar o navio da direita.
Porém, o BE, o PCP e o PEV, na ânsia desenfreada de atingirem o PSD e o CDS, não se preocuparam em estabelecer devidamente as regras para o náufrago que acolheram, acabando por perder o controlo da sua própria embarcação. Já com o Dr. Costa ao leme, não surgiu até agora qualquer cenário ensolarado para o País. A página da austeridade não foi virada, nem a economia está a crescer a taxas espantosas. A novidade está mesmo no facto do líder socialista ter passado a definir a régua e esquadro o raio de acção daqueles que lhe deram a mão. É soberano a definir os destinos e as rotas. Por vezes, faz pequenas cedências, para que o resto da tripulação também possa cantar algumas vitórias, o que por outro lado impede rebeliões a bordo.
A recente polémica em torno da sobretaxa do IRS é um exemplo desta realidade. Recorde-se que o PS acordou com as forças à sua esquerda que a medida se extinguiria a 1 de Janeiro de 2017, um compromisso que está na lei. É por isso surpreendente que a proposta do Orçamento do Estado apresentada pelo Governo socialista preveja a existência da sobretaxa em 2017. Pasme-se, BE, PCP e PEV parecem estar dispostos a aceitar! É caso para perguntar: o que farão estes três partidos se a direita propuser manter a actual lei em vigor? Chumbarão uma proposta que defenda aquilo que eles próprios prometeram – extinção da sobretaxa a 1 de Janeiro? O embaraço poderá estar já aí ao virar da esquina.
Hoje, parece-me óbvio que dentro da designada “geringonça” existem forças políticas cuja principal tarefa é servir de “andarilho”. Se este “programa de fisioterapia” político vier a surtir o efeito esperado por António Costa, ou seja, sondagens a indicarem uma maioria absoluta socialista, então é certo que, nessa altura, o PS tentará caminhar pelo seu próprio pé e procurará descartar-se, em momento oportuno, do “andarilho” que tanto jeito lhe deu.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.