[weglot_switcher]

André Costa Jorge: “Quem produz as migrações não são as máfias, nem os traficantes”

O Serviço Jesuíta aos Refugiados assinala o Dia Internacional dos Migrantes esta segunda-feira, dia 18 de dezembro, no Mercado das Culturas, em Arroios, sob o tema “Da hostilidade à hospitalidade”.
  • Cristina Bernardo
17 Dezembro 2017, 12h00

Como é que se passa da hostilidade à hospitalidade?
Em adoptar-mos nas nossas políticas a defesa da hospitalidade como valor. Não ser só a dimensão securitária, a defesa do nosso bem-estar ou de qualquer critério conservador dos nossos interesses particulares. Temos que alargar esse conceito e desejar que aquilo que alcançámos possa ser melhor distribuído e mais procurado. Por outro lado, cada pessoa é sujeito de direitos. Portanto, as políticas não devem ser só políticas de defesa de fronteiras e de espaços, devem em primeiro lugar dar primazia às pessoas. Essa pessoa deve ser acolhida e respeitada em todas as circunstâncias, em particular os mais necessitados. Por outro lado, a hospitalidade deve ser apoiada a partir das experiências do contacto directo da sociedade. Só podemos falar em hospitalidade a partir do momento em que a vivemos e praticamos, em que tornamos possível esse encontro. Não é um conceito abstracto. Temos a experiência disso quando, por exemplo, acolhemos famílias de refugiados e somos capazes de criar espaços para esse encontro no dia-a-dia, em que conheçam o outro e a sua realidade. É também esse o nosso papel enquanto organizações da sociedade civil, passar do discurso à prática, e desconstruir o medo do encontro com o outro, porque tem estereótipos na cabeça, ligados também ao mundo mais mediático. Se tivermos oportunidade de ter esse encontro, os nossos medos e fobias baixam consideravelmente e mudamos de opinião.

Os políticos têm aí um papel importante?
As políticas e os políticos tomam as suas decisões porque pensam que esse é o modo de sentir das pessoas. Na dúvida, adopta-se uma postura defensiva, é mais seguro. O acolhimento, a forma como a Europa lida com a crise de refugiados na Grécia, que é terrível como exemplo para o futuro, como modo de o fazer para a sociedade europeia, é desastroso. O que vimos foi pessoas a arriscarem a vida, sem que nós europeus nos preocupássemos muito, até que as pessoas começassem a chegar, vivas ou mortas. Depois, ficámos paralisados com a rapidez do fluxo e a resposta foi fechar fronteiras. E o que vimos foram aquelas imagens, que davam a sensação de invasão, que provocaram na opinião pública e reacendeu em algumas pessoas o rastilho das xenofobias, porque o enfoque foi muito a massa que se desloca. Mas não há uma massa que se desloca, há pessoas. Mas mais grave que esta resposta, é o sinal que se atira para o resto da Europa, para quem está no sofá a ver televisão em casa e fica confuso com as imagens muito pouco confortáveis, em que o apelo é sempre da segurança. De repente acolher alguém é uma coisa muito estranha.

A reação em relação ao desconhecido foi o medo. Materializou-se esse medo em considerar o outro uma ameaça.
Claro, e boa parte das decisões fica sob esta dupla dinâmica. Temos um conjunto de critérios, a declaração dos direitos de refugiados é muito generosa, mas há um hiato entre aquilo que é pensado e depois a prática desse encontro. Nós sabemos que o conceito de refugiado foi criado pelos europeus no pós-guerra e, de repente, parece que não tem cabimento quando são outros, que não são europeus. Se fossem europeus nós acolheríamos. Então qual é a diferença? A diferença estava na diferença.

Como é que se pode quebrar essa diferença?
Se tivermos só uma perspetiva securitária que privilegie a fronteira e não a pessoa, então estamos sempre pouco exercitados no acolhimento. Acreditamos na JRS que esse encontro faz sociedades mais felizes. Hoje discute-se muito, as sociedades do Norte da Europa estão muito nessa onda, se aquilo que estão a fazer enquanto sociedade as torna mais felizes ou menos felizes. Já percebemos que não é só ser uma sociedade rica, capitalista, ter muitas empresas. Importa também um nível de felicidade social mais exigente, que nos obriga a todos a saber fazer perguntas. Temos que ser mais exigentes, em termos de respostas. E creio que isso também tem que passar por esta dimensão da convivência mundial. As questões das migrações são das questões mais complexas. Não há só boas respostas, boas ideias e más posturas. Nós não advogamos o fim das fronteiras, por exemplo. As fronteiras têm um papel e as comunidades têm os seus espaços. Há uma frase que diz que “o amor pela nossa terra é maravilhoso” e isso é fantástico. Mas porque é que esse amor tem que parar na fronteira? Nem questionar-mos isto…

Daí também esta celebração no dia 18, dia do migrante?
É um dia criado pelas Nações Unidas e achámos que seria importante este ano refletir sobre a hospitalidade, como o valor chapéu, uma bandeira. É um valor que merece ser refletido, que aparentemente está em desuso e em crise. Neste dia, queremos voltar a olhar para ele. Que hospitalidade é essa? Ainda acreditamos nesse valor? Ainda é nosso? E se é, de que maneira é praticado? Onde é que está explanado? Em que politicas é que podemos ver que existe essa dimensão de hospitalidade. Vivemos o maior tempo da mobilidade humana, está aí, não há volta a dar e ao mesmo tempo, fruto dos conflitos, da pobreza, é acelerada. Por um lado, há o maior número de migrantes e refugiados contado, por outro lado, há zonas do Mundo que são altamente atrativas do ponto de vista do que são as expetativas justas e desejadas pelas pessoas. Toda a humanidade deseja um conjunto de bens materiais e imateriais que não está distribuído de forma uniforme e todos temos maior consciência disso mesmo. A hospitalidade está aqui como um valor que paira mas que tem muita dificuldade em aterrar nas políticas concretas, nas atitudes concretas e sobretudo num mundo mais global, que é simultaneamente mais individualista em muitos aspectos. E onde é que fica o lugar para aqueles mais vulneráveis?

Que avaliação faz das políticas de acolhimento aos refugiados e aos migrantes em Portugal?
Em termos da expressão da vontade política, o nosso enquadramento legal é dentro do quadro europeu, a política portuguesa não pode diferir muito do que são as políticas europeias nestas matérias, tem autonomia mas é interdependente. Não pode por exemplo, receber um sem número de migrantes porque a nossa fronteira a leste não é em Vilar Formoso, é na Polónia. E portanto, qualquer pessoa que tem autorização para entrar em Portugal, pode circular pela Europa e isso é co-responsabilizante. Sabemos que dentro do puzzle europeu, há países como a Áustria, Hungria, Polónia, que são mais fechados e mais restritivos em relação ao acolhimento de estrangeiros, e países onde está Portugal, que são mais favoráveis à recepção de migrantes. A nossa legislação particular tem sido uma legislação positiva, vai ao encontro daquilo que são as melhores práticas. No entanto, em termos práticos na execução dessas políticas e legislação, encontramos muitas dificuldades, ao nível da proteção e da efetivação dos direitos dos migrantes, que esbarram nas teias burocráticas dos serviços.

E que balanço faz da integração dos refugiados apoiados pelo Serviço Jesuíta aos Refugiados?
Fizemos um balanço caso a caso das famílias que estão em Portugal há mais de um ano, que acompanhamos, e o balanço para cerca de 40 famílias é bastante positivo. Todas elas, na larga maioria, salvo um caso ou outro em que há situações de alguma dificuldade no processo de integração. Tenho a convicção que a maioria delas, se por sua decisão permanecerem em Portugal, dentro de pouco tempo, sobretudo aquelas que têm crianças pequenas, que estão na escola e já falam português, estarão como qualquer comum cidadão. Claro que vai demorar mais de dois anos para que se sintam completamente identificados com o país e a cultura, que também fazem sua. No caso da Plataforma para os Refugiados (PAR), metade dos refugiados que chegaram inicialmente, saiu antecipadamente porque utilizaram a recolocação como um salto na fronteira, embora estejamos a receber algumas retomas pelas autoridades de países onde foram intersectadas, alguns na Alemanha, outros casos na Suécia, onde têm família e onde tinham as suas expectativas.

Como é que a sociedade portuguesa respondeu a esta crise?
Em Portugal, participamos e somos fundadores da PAR e foi impressionante o grande conjunto de organizações e de instituições da sociedade civil dispostas a acolher refugiados. Desde essa altura, de dezembro de 2015, em que chegou a primeira família o balanço foi muito positivo. Antes disso houve uma altura em que não chegava ninguém, em que a máquina da União Europeia e das autoridades gregas não se moldava, estavam bloqueados na definição de resposta. Quando finalmente a resposta é definida e começa a ser estruturada, em que foi preciso que chegassem mais de um milhão de pessoas à Alemanha, finalmente fez-se o programa de recolocação. Mas entretanto aqui, já tínhamos desenvolvido uma estrutura de acolhimento, fizemos a PAR primeiro, antes de haver uma resposta da União Europeia e do Estado português. A sociedade portuguesa organizou-se para fazer esse acolhimento.

Como é que se pode potenciar as políticas de integração?
Defendemos que Portugal tenha uma prática própria de acolhimento de refugiados permanente, que não seja só uma resposta esporádica porque aconteceu esta crise. Deve ter essa prática generalizada, que permita a criação de vias legais e seguras. Isto não é nada de extraordinário, mais que não seja porque Portugal e a Europa vão precisar para os próximos anos de um reforço demográfico que não vai conseguir só pela sua própria “produção” nacional. Isto não sou eu que digo, dizem todos os demógrafos, economistas. Portugal tem uma política de acolhimento inteligente, preparada, em que o processo de acolhimento está ligado ao processo de integração. Deve envolver também o mundo empresarial e não só as organizações desta área. É a sociedade toda que acolhe, não é somente as organizações do terceiro sector.

Há essa consciência?
Sem querer isto dizer, que a resposta não está só do lado da recepção. É verdade e é evidente que quem produz as migrações não são as máfias, não são os traficantes. Também é verdade, que não são os muros que vão parar os fluxos migratórios, só vai encarecer. Vai tornar mais caro e mais perigoso. Vai ser mais difícil e os mais vulneráveis vão morrer mais depressa. Isso sim. E ao mesmo tempo, temos os vistos gold. Para os ricos, esses conseguem vir porque compram uma casa de milhão de euros, esses podem migrar. Mas quer dizer, é só para imigrantes de luxo? Para aqueles que compram a cidadania? Esses é que são os bons? Há alguma coisa nos nossos critérios que está mal. Se quisermos ser uma sociedade feliz e fazer as perguntas certas, não podemos continuar a achar que isto é bom. Eticamente, todos nós temos que começar a dizer: não, a nossa opção preferencial é para os que mais precisam, eu quero contribuir para os que menos têm. Não tenha nada contra um migrante rico, a questão é que não podemos ter políticas que privilegiem só os que têm dinheiro e criemos muros para os que não podem. Esses achamos que são uma ameaça. Quando sabemos que quem controla as grandes offshores, não são esses. O que defendemos é outra lógica, uma lógica que humaniza os processos migratórios, não os criminaliza.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.