Este verão estava ansiosa por iniciar a remodelação da casa. Doei metade da mobília e objetos que tinha acumulado ao longo de mais de uma década a familiares e associações. Novos ciclos de vida levam, naturalmente, à renovação do espaço que nos envolve. Mas, ao longo desta etapa, descobri que havia um pensamento subliminar subjacente à necessidade de mudança.
Queria iniciar esta remodelação para não voltar a ser apanhada de surpresa. No meu inconsciente, caso voltasse a ficar presa em casa, queria mais espaço, luz e conforto térmico.
Quando iniciei o primeiro confinamento, em março de 2020, as circunstâncias pessoais e profissionais foram atribuladas. Dei por mim presa a uma casa que era minha, mas que mal reconhecia e mal tinha habitado, devido a um ritmo de vida frenético. Não acarinhei a casa e, durante muito tempo, fui comprando objetos que arrumava e esquecia, até os resgatar do pó. Iniciei então um longo processo de arrumação, que me mostrou que não construíra o lar que eu queria.
Três anos volvidos, dou por mim quase a concluir a remodelação com algum alívio. Nunca foi tão forte o receio de voltar a ficar presa em casa. Poderá não ser devido a uma nova pandemia, mas é plausível que passemos mais tempo em casa devido a fenómenos climáticos extremos, cada vez mais frequentes em tantas regiões do mundo.
Há incêndios descontrolados em Portugal, mas também na Ásia ou Canadá, com densas nuvens de fumo a atravessar o Atlântico. Há vagas de calor em praticamente todos os continentes e, em julho, registou-se o mês mais quente de sempre na História. A subida de temperatura deteriora a qualidade de vida e não será preciso mais de uma década para que os verões tórridos se tornem o ‘verão europeu’, com o sul a ser fustigado por temperaturas insuportáveis.
Estamos em território desconhecido. Pela primeira vez, sinto-me assustada com a possibilidade de não poder habitar por décadas a casa que escolhi e ser forçada a uma deslocalização. Pode parecer exagero, mas no último inverno vi a minha zona submersa por cheias e um bairro inteiro com caves e habitações danificadas. Hoje, quando penso em casa, penso num espaço de segurança e conforto, que me proteja de fenómenos extremos. Esta é a nova realidade que enfrentamos e que traz consigo a angústia existencial climática. Resta-nos saber como lidar com ela.