Em setembro passado, no artigo de opinião “Não governam nem deixam governar”, escrevi no Jornal Económico sobre a golpada que se avizinhava depois de PS e PSD alterarem a lei das Eleições Autárquicas.
Começou com uma sucessão de ações concertadas com vista à descentralização entre o PS e o PSD, e seguiu-se um acordo para os escolhidos para a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) sem eleições, quando sabemos que as CCDR vão gerir e distribuir uma importante parcela dos fundos comunitários.
Os mesmos partidos prosseguiram com a golpada ao decidirem que os debates quinzenais no Parlamento passariam a realizar-se de dois em dois meses para diminuir o escrutínio. Depois, foram mudadas as regras para a distribuição e disposição dos fundos europeus com a alteração do Regime de Contratos Públicos, mudança essa que permite negociar de forma menos transparente os contratos de ajuste – uma porta não aberta mas escancarada à corrupção.
De seguida, aprovaram uma proposta de lei que legitima as expropriações com vista ao grande negócio da exploração do lítio.
Mais. Em agosto passado, PS e PSD alteraram a lei das Eleições Autárquicas dificultando a vida aos pequenos partidos, movimentos e independentes. Nas últimas eleições autárquicas, em 2017, concorreram perto de 950 grupos de cidadãos, dos quais resultaram a eleição de 17 presidentes de câmara e cerca de 400 presidentes de junta de freguesia.
As alterações prejudicam sobretudo as candidaturas independentes a Assembleias de Freguesia, ao ser exigido agora que tenham um grupo diferente daquele que o mesmo movimento propõe para a candidatura à Câmara Municipal e Assembleia Municipal. Assim como um grupo de cidadãos que apenas se candidate a uma junta de freguesia não terá direito a subvenção do Estado, uma vez que as subvenções são pagas em função do número de eleitores na Assembleia Municipal, à qual não se podem candidatar.
Outra questão é a recolha de assinaturas exigidas que é sempre proporcional ao número de eleitores inscritos. Tomando por exemplo a Câmara Municipal de Matosinhos, e tendo por referência o número de habitantes nas últimas eleições autárquicas, para concorrer são precisas quatro mil assinaturas que, se multiplicadas para as dos restantes órgãos autárquicos, poderão chegar às 15 mil. Ora, se para concorrer ao cargo de Presidente da República, a lei exige 7.500 assinaturas, por aqui se pode ver o absurdo da imposição.
Concretizada a alteração à lei eleitoral autárquica, avançaram para o plano de aumentar as freguesias para 3.692, mais 600 do que as existentes atualmente. Esta decisão faz tábua rasa da reforma realizada em 2012 que eliminou 1.168 freguesias e 10 mil cargos, entre assessores e funcionários, e permitiu ao Estado poupar muitos milhares de euros – 600 novas Juntas de Freguesias significa também igual número de presidentes e mais uns milhares de representantes nas assembleias das juntas.
Apesar de ter sido assegurado que o plano de aumentar as freguesias não avançaria antes das eleições autárquicas, eis que, a dez meses das eleições, o Governo aprovou a 22 de dezembro, em Conselho de Ministros, a proposta de lei com alterações ao regime de reforma das freguesias, a submeter à Assembleia da República. Agora limitaram o número de novas freguesias a 290.
Volto a perguntar: ninguém trava esta golpada?