Multiplicam-se pelo mundo manifestações nas ruas de grandes cidades. Ações de protesto que jornais e televisões nos mostram com sinais diferentes e contraditórios em que se buscam respostas novas. Histórias de grupos de pessoas que pretendem demonstrar a sua insatisfação com algo e que, em muitos casos, têm terminado no meio de grande confusão, misto de confronto com autoridades, ou entre si mesmos.

Começam por ser gritos de alma. Reivindicam melhores salários e condições de trabalho. Exigem democracia e direitos sociais. Clamam por atenção e respeito. Partem de atos e momentos pacíficos que repentinamente perdem controlo.

Convocadas por sindicatos, associações, movimentos sociais ou apoiados por partidos políticos têm uma dimensão e natureza distinta. Meses sucessivos de desfiles de coletes amarelos em França, protestos de estudantes em Hong Kong, ações sociais no Chile, enormes protestos na Venezuela, Bolívia, Irão, Iraque, em países africanos ou europeus. Em todo o caso um denominador comum: o desafio à autoridade instalada.

Estes movimentos que nada têm de comum entre si originam reações da autoridade, presença e intervenção policial e até militar, momentos de dor e de pânico. Em algumas circunstâncias, o poder político reagiu tentando travar com propostas e medidas pacíficas de resposta, noutros casos com atos fortes, em consequência ocasionando violência, destruição de bens de domínio público e de comércio, detenções e afetação da vida e de bens de terceiros pacíficos.

Em praticamente todas se tem perdido o controlo do comportamento dos lados em presença. Em situações mais extremas, estas manifestações públicas alcançaram o objetivo de mudança de políticas e de políticos, e até de regime.

Grupos organizados e insidiosamente infiltrados levam a multidão para dimensões não desejadas originalmente e que merecem reações ainda menos procuradas. Grupos que buscam alcançar ali objetivos não confessados, quer seja pôr em causa o poder dominante, quer por simples ato de anarquismo ou sem qualquer sentido útil.

Outras manifestações representam o pulsar de uma sociedade livre, aberta e saudável, que pretende chamar a atenção para problemas que o quotidiano devora e não concretiza, como sejam os sucessivos apelos à tomada de consciência da luta por um ambiente mais sustentável e a construção de um futuro mais promissor e consistente.

Estes atos, que ilustram a existência de gente muito descontente e uma sociedade não realizada, em certas situações têm sido usados por radicais e extremistas de forma primária, mais ou menos inteligente, transfigurando a representação popular e condicionando o poder político mesmo em democracias consolidadas e maduras. Ceder a estes protestos pode constituir a capitulação do Estado de Direito. Mas ignorar protestos é proporcionar espaço aos oportunismos populistas que emergem das cinzas que os caixotes do lixo ou automóveis deixam pairar.

Cada manifestação é um caso. E em cada caso exige-se uma análise atenta ao que rodeia um qualquer protesto público. Em qualquer situação, contudo, não pode nem deve o poder político fechar os sentidos à raiz do problema, sob pena de ter no seu país um sistema social e um regime em manifesto desespero. Uma manifestação não é apenas um meio da sociedade renovar o ar que se respira. É uma forma de expressar desespero e clamar por ação. Não pode haver surdez e cegueira a um grito maior. O poder responde pela ansiedade colectiva, seja ou não expressa nas ruas.