Quando o mundo se prepara para uns EUA sem Trump (todo o mundo menos Trump), a China mais uma vez joga a longo prazo e na antecipação. Isto quando em Londres Boris Johnson larga o lastro dos hard brexiteers, se livra de Cummings (segundo o “Guardian”, “special advisers were said to be delighted by his departure”) e Cain, e prepara uma atitude mais conciliante, até em relação ao Parlamento britânico e aos próprios deputados conservadores, outro sinal das mudanças que se adivinham com Biden.

A isso ele está obrigado, não só devido à situação política interna (perdeu por 433 contra 165 na Câmara dos Lordes o seu Internal Market Bill), mas também porque com Trump vai-se o bilateralismo que os EUA queriam impor às relações económicas internacionais, o “dividir para reinar” que constituía uma das bases da Nova (Des)Ordem Internacional de Trump.

Só que o mundo não ficou à espera. Domingo passado foi assinado numa cerimónia virtual organizada pelo Vietname o acordo de criação da maior zona mundial de livre comércio, com 15 países: China, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Coreia do Sul e as dez nações da Associação dos Países do Sudeste Asiático. No seu conjunto representam mais de 30% da população e do produto do mundo, mais de dois mil milhões de consumidores.

Isto acontece quando tínhamos regressado à Idade do Protecionismo, muito fruto da agenda política de Trump e do seu Make America Great Again. Também é curioso como o assinar do acordo foi facilitado pelas concessões recentes do governo chinês. Mas o racional é claro: com esta iniciativa a China responde à tentativa de isolamento a que a administração americana a quis votar, e é o resultado de uma política americana que alienou os aliados tradicionais para fazer cimeiras com a Coreia do Norte.

Agora Biden vai tarde para ressuscitar a Parceria Transpacífica, posta na prateleira por Trump em 2017 com a crítica de McCain e o aplauso de Sanders, que a considerava uma ameaça pela deslocalização de indústrias e consequente perda de empregos.

Com esta iniciativa e o que representa em termos de dimensão de mercados, esse potencial de deslocalização é real – é uma zona do mundo com forte dinâmica populacional e onde nível de vida e poder de compra aumentarão significativamente. Para muitas multinacionais, incluindo as europeias, vai ser determinante estar lá, mais que nos EUA, para mais quando um espaço de livre troca não torna necessário operar a partir da China.

Um sinal avançado disto será o regresso da Índia à iniciativa, depois do seu abandono por recear abrir demasiado a sua economia e pela proximidade com a China afastar as empresas americanas localizadas no país, o que não mereceria a simpatia do futuro ex-presidente. No dia em que a Índia aderir, teremos mais de 50% da população mundial no mesmo espaço de trocas comerciais. Nesse dia o mundo não vai mudar porque já está, e sempre esteve, a mudar, só que nem sempre bem.