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Anthony Gibson: Publicis vira-se para o mundo digital dos media

O CEO da Publicis Portugal antecipa ao Jornal Económico as grandes transformações que vão ocorrer no setor dos media e da televisão e explica de que forma o seu grupo se está a especializar na tecnologia digital que vai dominar a nível mundial.
28 Abril 2019, 15h00

O gigante Publicis aposta tudo no digital. É por isso que o terceiro maior grupo de comunicação a nível mundial, sediado na Europa e com 40 anos de presença em Portugal, está a acelerar a revolução que iniciou há mais de uma década, centrando agora a sua atividade no desenvolvimento tecnológico e na transformação digital. Anthony Gibson, CEO da Publicis Portugal, explicou ao Jornal Económico que “62% da faturação do grupo já vem da tecnologia e do digital, algo que nunca se imaginaria há 15 anos”.

Depois de ter comprado, em 2015, a Sapient – uma empresa tecnológica de Boston, pela qual pagou um total de 3,3 mil milhões de euros (ver texto à direita) -, reforçou esta estratégia e continua compradora de empresas no setor.

Longe vão os dias em que a Publicis dedicava a sua atividade principal à publicidade, mantendo presença constante nas campanhas de media e TV assinadas pelos seus criativos. Mas tudo mudou na viragem do milénio e o rumo que o Grupo Publicis está a imprimir neste final da segunda década do século XXI aposta forte nas potencialidades que a tecnologia digital oferece. O grupo trabalha sobretudo com o apoio das suas novas tecnologias, com novos modelos de negócio para o setor dos media e do entretenimento, disponibilizando novas interações a cada cliente e produtos feitos à medida do gosto individual. Assim, entrou na era da personalização global.

“Acreditamos que os modelos dos media e das agências criativas que existem aqui e noutras partes do mundo estão mortos. Há cerca de 10 meses o nosso CEO, Arthur Sadoun, reconheceu publicamente que ‘se não fizermos algo, esta indústria, tal como está, acaba’. Ou seja: é preciso mudar totalmente o chip e fazer a transformação tecnológica”, defende Anthony Gibson.

Relativamente ao setor dos jornais, o CEO da Publicis Portugal diz que “o seu problema não é estarem desadaptados. O problema dos jornais decorre de os seus leitores estarem tão habituados a não pagar, porque quando entram na internet é tudo grátis”. “Leio muito os britânicos ‘The Guardian’ e ‘The Telegraph’ sobre o Brexit, sendo um de centro-esquerda, que defende ficar na União Europeia, e outro de direita, que quer a saída total. É interessante ver como os dois têm um modelo para sobreviver. O ‘The Telegraph’ tem todos os conteúdos premium e quer que uma grande quantidade de pessoas paguem para terem disponíveis esses conteúdos na internet. Tudo isto são coisas que não faltam em Portugal: há cá grandes jornalistas e grandes conteúdos. Lembro-me da primeira vez que cheguei a Portugal e fiquei admirado porque, sendo um país pequeno, reparei logo, no quiosque do aeroporto, na quantidade de jornais e revistas de alta qualidade, com editoriais fortes. O setor dos media em Portugal tem o ingrediente principal. Agora só é preciso afinar o modelo de negócio ao mundo digital em que vivemos”, comenta o gestor.

“Acho que parte da solução também passa por educar o consumidor: para terem bons conteúdos é preciso pagar. Isso aplica-se igualmente ao entretenimento. Muitas vezes falamos no ‘content on demand’, que é fundamental. Hoje podemos perfeitamente ter clientes que queiram conteúdos que não sejam comerciais. Fora de Portugal as nossas agências estão a fazer mais trabalhos publicitários com conteúdos. Estão presentes com artigos patrocinados. Tudo isto já está mesmo a acontecer. Eu sei que há muitas pessoas que querem acreditar que esta transformação digital nunca iria acontecer de uma forma global, mas estão profundamente erradas porque já começou a acontecer”, refere Anthony Gibson.

“Todos devemos responder a uma questão: O consumidor português quer receber o tipo de informação que temos para oferecer? Gostaria de dizer que sim, que os portugueses querem ser mais informados. Mas acho que é preferível termos um estudo mais profundo para sabermos o que é que o consumidor português está disposto a fazer para receber essa informação. Provavelmente querem tudo grátis. Quase ninguém pensa no que custa diariamente ter um jornal que chega a cada computador numa versão digital. Depois, ainda há outro problema, que são os agregadores de notícias, que reúnem num site todas as notícias de todo o mundo, feitas por jornalistas”, comenta o gestor.

“Para o Grupo Publicis, a parte mais importante agora é o ‘data’, a informação. O digital é só o veículo, o modo, mas é através da tecnologia que podemos saber mais do consumidor e ter informação personalizada”, adianta Anthony Gibson. Neste novo paradigma, os motores de busca acabam por canibalizar o negócio da comunicação. “Totalmente. Acho que é um problema para os jornais”, reconhece. Independentemente desse problema, a tecnologia digital é uma excelente ferramenta para aferirmos o ‘costumer journey’, que varia ao longo do dia: o que estamos a ver de manhã é diferente do que estamos a ver à tarde, à noite e ao fim de semana. Sei que é muito difícil a uma operadora de televisão competir e enfrentar estas transformações. Mas em breve vai chegar o dia em que teremos inteligência artificial que dará resposta a boa parte destas questões”.

Grupo estuda novo negócio milionário em tecnologia

As palavras que reinam hoje em dia na francesa Publicis são informação e tecnologia. Na prática, (mais) tecnologia para receber (mais) informação sobre os consumidores e direcionar conteúdos. À medida que os padrões de consumo de televisão, música e imprensa se vão alterando, os investimentos deste grupo de comunicação social estão a ser sobretudo canalizados para a área de marketing digital. Ainda há quatro anos estava a completar a compra da norte-americana Sapient, por cerca de 3,3 mil milhões de euros em cash, e prepara-se agora para adquirir a Epsilon por 5 mil milhões de dólares (aproximadamente 4,5 mil milhões de euros), segundo as fontes da agência Bloomberg. Esta tecnológica, que opera sobretudo na América do Norte e oferece soluções de dados para marketing personalizado, está a passar por um aguçado processo de venda por parte da Alliance Data Systems, uma vez que na corrida estão também a Advent e o banco Goldman Sachs – pouco habituado a perder nos negócios pelos quais se interessa.

“Os órgãos de administração do grupo sentem-se na obrigação de estudar qualquer possibilidade de fortalecer a sua posição graças a ativos que poder-se-ão adequar à sua estratégia e trazer um serviço aprimorado para os clientes”, argumentou a Publicis, no comunicado em que confirmou a intenção de avançar com a operação. Anthony Gibson, CEO da Publicis em Portugal, caracteriza este casamento entre a ideia e a investigação sobre o público-alvo como “alquimia da criatividade” – assim disse, em entrevista Jornal Económico. A multinacional fê-lo essencialmente através de aquisições e, já no início deste ano, anunciou a conclusão da compra de 82,99% do capital social da Soft Computing, através da sua subsidiária Multi Market Services France Holdings.

A aposta é clara: há que extrair o maior número de dados para transmitir a mensagens certas às pessoas certas. “Na imprensa fala-se sempre negativamente: ‘Estão a espiar’. Mas é incrível o que se consegue. Sabemos cada vez mais tendências, aquilo de que os grupos individuais gostam. Sabemos também que, por exemplo, uma pessoa que tem computador ‘X’ gosta de ‘Y’. Podemos fazer comunicação personalizada, porque não queremos informação que chateia”, explicou. Para tal, a empresa conta com uma plataforma designada People Cloud, que recebe dados da Google, por exemplo, para traçar um perfil de utilizadores da internet. A plataforma era utilizada em países como Estados Unidos, Canadá, França, Reino Unido e Alemanha, mas está também a chegar ao escritório português. Além disso, a Plubicis tem um assistente virtual interno chamado Marcel – uma designação inspirada no nome do fundador do grupo, Marcel Bleustein-Blanchet – a quem a administração pode fazer perguntas. O leitor do JE terá pelo menos uma pergunta a fazer ao Marcel: vem aí mais uma compra de milhões?

Artigo publicado na edição nº 1984, de 12 de abril, do Jornal Económico

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