Recordo-me de passar, com frequência, na feira do livro de Lisboa pela banca da editora Antígona, uma das minhas paragens obrigatórias. E lá estava a figura inconfundível do fundador e editor Luís Oliveira a recomendar ao público vários livros pelos quais nutria uma genuína paixão.

Foi assim que acabei por levar, por recomendação sua, “Uma Solidão Demasiado Ruidosa”, de Bohumil Hrabal, um extraordinário autor checo que desconhecia por completo e que descreve uma distopia que procura aniquilar os livros e o seu poder redentor. Não faltaram outros autores da Europa do Leste, com uma ficção assombrosa, incluindo um dos meus favoritos, Stanislaw Lem, o autor de “Solaris” e “Memórias encontradas numa banheira”.

Houve outras obras que também me fascinaram, como a ficção curta de Silvina Ocampo, com histórias que captam um imaginário repleto de sobrenatural e terror, de ternura, loucura e amor. E apesar de já ter descoberto Eduardo Galeano, foi com as edições da Antígona que percorri, na totalidade, as veias da América Latina.

Os clássicos também figuram nas minhas estantes: passei horas a dissecar a edição portuguesa de “1984” para um projeto editorial de banda desenhada, ao ponto de já saber passagens de cor. De Orwell retenho, também, na memória o excelente “Homenagem à Catalunha”, que narra a sua passagem pela Guerra Civil de Espanha.

A Antígona tinha a coragem de publicar obras assumidamente políticas, e não fugia a ideologias. Quem mais poderia ter publicado uma obra como “O Apoio Mútuo” de Piotr Kropotkine, uma das grandes referências no domínio das teorias anarquistas e libertárias? Ou os textos seminais de Simone Weil como “Reflexões sobre as causas da liberdade e da opressão social”, ou “A liberdade é uma luta constante” de Angela Davis?

Poderia mencionar tantos outros, entre clássicos e contemporâneos, autores e autoras que têm em comum uma afirmação plena das suas mais profundas inquietações e que escolheram não ceder ao conformismo, mas a traduzir nas suas obras os anseios e aspirações por um mundo melhor, mas também o sofrimento, a dor e a esperança.

Temos muito a agradecer ao Luís Oliveira, que partiu esta semana aos 84 anos de idade. Na próxima feira do livro de Lisboa, já não veremos a sua habitual figura na banca a recomendar e a falar apaixonadamente sobre livros. Volvidos mais de 40 anos de publicação subversiva e refratária, poucos serão os que se podem orgulhar de ter deixado esta marca extraordinária na nossa cultura.