1.  António Costa faz bem em ser pragmático e em defender os interesses de Portugal (e europeus) quanto ao rápido desbloqueamento das verbas da ‘bazuca’ de combate à crise da pandemia. Faz bem em reunir com Órban. Faz bem em tentar estabelecer pontes entre o grupo dos Frugais e o grupo de Visegrado. Faz bem em focar-se na prioridade de acordo no próximo Conselho Europeu. Faz bem em colocar o interesse nacional, urgente, acima da discussão ideológica. Faz bem em estabelecer como prioritária a necessidade (do dinheiro), bem acima de mais uma polémica que pode esperar. Faz bem.

Além do mais, o primeiro-ministro português, com a força de quem a partir de janeiro assumirá a coordenação da União Europeia (UE) durante seis meses, esgrime um argumento inteligente de suporte à sua ação quando diz que “o procedimento para tratar de violações ao Estado de Direito, às Liberdades, à Democracia é o previsto no art.º 7.º [do Tratado da União Europeia]. Não é a discussão do Quadro Financeiro Plurianual ou do Plano de Recuperação”. É a diferença entre ter de aceitar e poder vetar (um instrumento financeiro fundamental).

2. Sobre a estratégia de António Costa pode haver opiniões. Que o primeiro-ministro nem sempre é tão objetivo quando as questões são internas ou não metem dinheiro – o que é bem verdade. Ou que está a meter as convicções numa conveniente gaveta – o que também não é descabido dizer a um protagonista às vezes tão solto e convicto no debate ideológico. Mas o que não pode dizer-se é que neste momento a prioridade nacional, e europeia, não deve ser esta: desbloquear o dinheiro, combater a crise, lançar rapidamente programas de ajuda às pessoas, resgatar a economia.

Por tudo isso, António Costa faz bem em ser pragmático e corajoso. Sim, é preciso ter coragem política para um socialista percorrer a via sacra do pragmatismo em alturas tão sensíveis quanto esta.

3. Não desvalorizo a posição dos países ditos ‘frugais’. Num período normal estaria inequivocamente com as suas posições. O rigor orçamental claro que é uma prioridade. E a salvaguarda do Estado de Direito e das instituições democráticas independentes, como os tribunais, algo de inegociável. A UE depende destes princípios. O mundo precisa que a UE não vacile, nem externa nem internamente – e claro que o que se passa em países como a Hungria e a Polónia deve ser combatido por poder degenerar numa doença grave da democracia europeia.

O problema está em que, neste preciso momento, o fundamentalismo dos princípios pode inequivocamente fazer os cidadãos descrer do projeto-base. Em circunstâncias destas, o pragmatismo deve impor-se como ajuda ao propósito principal, de manter a UE a salvo de mais brechas. Há que fazer opções.

4. Por cá, a discussão tem sido politicamente notória. Tanto à esquerda como à direita tem havido críticas à posição do Governo. Já vi dois europeístas convictos, dois estimáveis intelectuais, Rui Tavares e Poiares Maduro, cada um na sua família política e partidária, entrincheirarem-se nos princípios contra a posição assumida pelo Governo português. Devemos agradecer a ambos o cuidado, mas perceber que neste momento o interesse nacional não tem a ver com filosofia – estamos, como numa guerra, a tentar tratar dos vivos. Essa é a prioridade.

Todos os dias chegam notícias de pessoas com vidas destruídas. Muitos milhares perderam o emprego. Há imensas famílias a procurar o abrigo em instituições de apoio social. Temos um tecido solidário à beira da rutura, com dificuldade em dar resposta à necessidade.

Os portugueses, como os restantes europeus, precisam de dinheiro, de auxilio à recuperação da economia – e que esse processo comece rápido. É por tudo isto que António Costa faz bem. A realidade à frente. Não me admira que a esquerda não perceba; surpreende-me que alguma direita não o entenda. Até porque dá votos.