As eleições de ontem criaram um novo quadro político. O PS ganha sem maioria absoluta e tem condições para formar governo; o Bloco de Esquerda consolida-se como terceira força; o PAN ganha um grupo parlamentar e há novos partidos a entrar no parlamento. A direita perde de tal forma que Assunção Cristas já anunciou a saída.

Os resultados abrem a porta a uma negociação à esquerda sobre o que pode ser o programa de governo dos próximos quatro anos. António Costa e Catarina Martins têm a responsabilidade de encontrar as bases comuns para um acordo que crie uma maioria que consiga responder à vida concreta das pessoas.

Antes das eleições, todas as sondagens indicavam que as pessoas não desejavam uma maioria absoluta e preferiam soluções de acordo com a esquerda. Ninguém perceberia se não se encontrassem caminhos claros para garantir estabilidade na vida das pessoas e a continuidade da recuperação de rendimentos e direitos.

Catarina Martins disse que quer encontrar esse caminho de estabilidade. António Costa também valorizou a estabilidade. E a que pode responder essa maioria?

Em primeiro lugar, à crise na habitação. Em poucos anos o preço das casas aumentou 60% em Lisboa e 50% no Porto, com mais novos e mais velhos a serem expulsos das cidades para as periferias, onde os preços também estão a escalar. Até agora a resposta do PS tinha sido o Programa de Arrendamento Acessível que de acessível não tinha nada, visto não responder às necessidades de 75% da população de Lisboa e de 70% do Porto, e cuja taxa de sucesso era de 0,04%.

Uma nova maioria tem de ter capacidade de atacar a crise na habitação partindo do trabalho que se fez com a Lei de Bases da Habitação. Urge acabar com a Lei das Rendas de Assunção Cristas e urge criar uma bolsa de habitação pública para classes médias e baixas. Atualmente, Portugal tem cerca de 2% de habitação pública, quando a média europeia é de 15%. Para atingir os níveis europeus e controlar a especulação imobiliária, precisamos de um plano de investimento público relevante. O país não pode prescindir disso.

Essa maioria tem também de ser capaz de criar um programa claro de investimento no Serviço Nacional de Saúde (SNS). A nova Lei de Bases da Saúde, aprovada pela esquerda no fim da última legislatura, foi o início de um caminho. Agora é preciso garantir o investimento necessário para o SNS não falhar a ninguém, com mais médicos e mais investimento nos equipamentos, parando a sangria dos recursos públicos que iam para os hospitais PPP.

As questões do trabalho também não podem ficar para trás. O combate à precariedade tem de ser reforçado, a legislação laboral do tempo da troika tem de ser alterada e o salário mínimo tem de ter uma trajetória de subida que melhore as condições de vida das pessoas e combata a pobreza.

Não menos importante, na questão das creches, por exemplo, percebeu-se na campanha que há margem para um consenso no sentido de aumentar a resposta e reduzir os seus custos. É natural que numa maioria se consiga alcançar esse objetivo mais facilmente.

Os próximos dias exigem uma enorme responsabilidade por parte de todos, em nome da vida concreta das pessoas.