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António Horta Osório, o guerreiro da banca que nem um ‘burn-out’ conseguiu travar

António Horta Osório deixa o Lloyds Bank depois de cumprir o ‘turn-around’ do gigante britânico. O banqueiro português conseguiu que o Lloyds, nacionalizado na crise do ‘subprime’, voltasse a ser totalmente privado, tendo devolvido todo o dinheiro dos contribuintes injectado na crise. Mas também conseguiu dar um passo à frente e hoje o Lloyds Banking Group é o maior banco digital do Reino Unido.
  • Cristina Bernardo
6 Julho 2020, 20h32

António Horta Osório anuncia saída do Lloyds, com efeitos a partir de junho do próximo ano, ao fim de um ciclo de 10 anos. Uma década que foi mais do que um lento passar dos dias. Foram 10 anos de luta constante para fazer o turn-around do banco que tinha sofrido a entrada do Estado com 39% do capital, por via de ter sido intervencionado,  com uma injeção de 20 mil milhões de libras (mais de 22 mil milhões de euros).

O banqueiro português conseguiu que o Lloyds Bank, nacionalizado aquando da crise do subprime, voltasse a ser totalmente privado, tendo devolvido ao Estado inglês todo o dinheiro dos contribuintes injectado na crise. Em 2015 pôs o banco a dar lucro ao fim de oito anos de prejuízo e consequentemente a distribuir dividendos aos acionistas.

Aceitou o desafio de salvar o britânico Lloyds Bank da falência e foi devorado pelo stress.

O preço que pagou por dirigir um navio demasiado pesado, foi um ‘burn-out‘ que lhe mudou a vida. Em 2011, quando os bancos recuperavam ainda dos efeitos da crise financeira mundial, sentiu na pele as consequências da falta de descanso. A partir daí o presidente do Lloyds Bank tornou-se numa voz importante na defesa de melhores condições para assegurar a saúde mental no local de trabalho.

O banqueiro acabou, na altura, por ter de se afastar por oito semanas, para recuperar, experiência pessoal que o levou a reavaliar a importância da saúde mental para todos os 65.000 funcionários do banco.

Quando António Horta Osório sofreu um grave ‘burn-out’, ninguém na city de Londres apostava no seu regresso. Mas recuperou, voltou e devolveu todo o dinheiro público usado no resgate da instituição financeira que ainda preside.

Foi o braço direito de Emílio e de Ana Botín durante quase 20 anos. Em 1993 juntou-se ao Grupo Santander e criou o Banco Santander de Negócios Portugal, tornando-se no seu presidente executivo. Foi aí que criou a sua equipa de confiança de administradores que o acompanharam durante muitos anos, como Eduardo Stock da Cunha, Miguel Bragança (hoje CFO do BCP), Nuno Amado, hoje chairman do BCP. Em 1996, António Horta Osório passa a acumular as responsabilidades executivas em Portugal com a liderança das atividades do Grupo Santander no Brasil, onde adquire dois bancos, iniciando as atividades de retalho do Santander no Brasil.

Depois liderou o Banco Santander Portugal quando, num acordo com António Champalimaud, comprou os bancos Totta & Açores e Crédito Predial Português.

Em 2000 e após o acordo entre António Champalimaud, o Santander e a Caixa Geral de Depósitos, o Grupo Santander passa a deter os Bancos Totta e Crédito Predial Português (para além do Santander de Negócios e do Santander Portugal). António Horta Osório é nomeado presidente executivo dos quatro bancos, depois fundidos no Banco Santander Totta; é igualmente nomeado senior executive vice-president do Grupo Santander e membro do Management Committee.

Em 2004 é convidado para administrador não executivo do Abbey, após a compra deste pelo Banco Santander, e em 2006 assumiu a presidência executiva do Banco Abbey, que adquiriu em 2008 os bancos Alliance & Leicester e Bradford & Bingley, depois fundidos num único banco, o Santander UK.

Para além de banqueiro com passagem pela nata da nata da banca de investimento, como o Citi e o Goldman Sachs, Horta Osório foi (e ainda é) outras coisas à margem do charme da alta finança. Foi Cônsul Honorário de Singapura em Lisboa (de 2004 até 2010) e de junho 2009 a março de 2011, foi administrador não executivo do Banco de Inglaterra, a título pessoal. É, desde Janeiro de 2011 até hoje, administrador não executivo na Fundação Champalimaud, e na Sociedade Francisco Manuel dos Santos, desde Março de 2012. Para além de em janeiro de 2015, e a convite de David Cameron, assumir a presidência do conselho de administração do Museu Wallace Collection em Londres. Não esquecendo também que em maio de 2015 foi nomeado, pela Família Agnelli, administrador não executivo da Exor — holding da Familia Agnelli, que detém a FIAT, a Juventus e acionista maioritário da Ferrari.

Em 2011 foi nomeado presidente da comissão executiva no Lloyds, a convite do governo Inglês e do ministro das Finanças George Osborne, para liderar a recuperação do gigante britânico, logo depois da aquisição pelo grupo britânico do HBOS – Halifax Bank Of Scotland (holding do Bank of Scotland). Não desiludiu, pois em 2017, o Lloyds regressa à esfera privada, com lucro para o Estado britânico. Seis anos depois da entrada de Horta Osório no banco, o Lloyds devolveu na totalidade os 20 mil milhões de libras dos contribuintes ao Estado, e 900 milhões adicionais.

Mas nem tudo foram rosas nestes dez anos à frente do banco britânico. Em 2016 o líder do Lloyds Banking Group foi notícia do tablóide britânico “The Sun”, que revelava que António Horta Osório teria aproveitado uma viagem a Singapura para se encontrar com uma mulher, acumulando despesas de 4.400 euros em hotel, serviço de quarto e duas visitas ao SPA e que alegadamente teriam sido pagas pelo próprio banco. O banqueiro português, salvaguardando que “a vida pessoal é obviamente uma questão privada”, lamentou o impacto das notícias avançadas pelo “The Sun”, que incluíam fotos, dizendo que “lamentava profundamente ter sido a causa de tanta publicidade negativa e pelos danos causados à reputação do grupo”. Pediu desculpa aos colaboradores, com simplicidade e o caso desapareceu da esfera mediática.

Convicto assumido de que as pessoas não se devem perpetuar nos cargos para benefício das instituições e dos próprios, António Horta Osório decidiu deixar o cargo de CEO do Lloyds Bank em 2021 “após uma década de enorme importância para o maior banco de Inglaterra e altamente desafiante para o gestor”, lê-se no comunicado enviado nesta segunda-feira às redações.

A sua saída acontecerá depois de terminar o terceiro plano estratégico desenhado para o Lloyds para o período 2018- 2020, que tinha como principais objetivos preparar o banco para um mundo digital e contribuir para a transição do Reino Unido para uma economia de baixo carbono, cujo anúncio dos resultados ao mercado coincidirá com o completar dum período de 10 anos à frente do banco.

O Lloyds é hoje o maior banco digital do Reino Unido.

O banqueiro que o “El País” apelidou de “samurai da city” foi o artífice das fusões e aquisições mais baladas das últimas décadas. O mundo reconheceu o seu mérito e já este ano recebeu o prémio da Foreign Policy Association em Nova Iorque, pela sua carreira internacional em vários países desenvolvida de forma responsável e pelo trabalho que tem realizado para expandir o conhecimento público dos assuntos e económicos e financeiros internacionais.

Recebeu também o Visionary Award da Associação britânica REBA, por liderar a abordagem exemplar do Lloyds ao bem-estar mental dos funcionários e da sociedade como um todo. E em abril, foi considerado uma das 50 personalidades mais influentes do mundo pela Fortune.

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