O caldo do discurso anti-sistema que vai crescendo pelo mundo tem a sua génese radicada num aparelho político-mediático apodrecido, numa Justiça que não funciona, servil perante os poderosos e impiedosa para os mais desfavorecidos, e num descontentamento face a elites que gerem empresas e se têm revelado medíocres e incultas.

António Mexia tornou-se o expoente máximo das últimas descritas. Quando, desde a passagem pela Galp, parecia o príncipe perfeito. Boa imagem e moderna, discurso fluente, comunicação de excelência, ágil no tabuleiro político, cortês nos melhores salões, quase sempre optimista e sorridente. Mas, alertava um dos imperadores romanos mais sensatos e equilibrados, Marco Aurélio, “pior pessoa é aquela que não apresenta defeitos. Essa é a pior de todas, a mais falsa de todas, quantas máscaras põe à frente de si mesma?”. E diz-nos a tarimba dos mesmos ambientes que é dos que mostram muito os dentes sem motivo aparente que devemos desconfiar, esses são os cínicos e dissimulados.

Seguiu-se a política, foi ministro, e nessa época cresceu-lhe o apetite pela Câmara de Lisboa, como confessou em entrevista, gerando alguma expectativa positiva sobre essa pretensa candidatura. Contudo, salário milionário de marajá oblige, saltou para a EDP que seria o princípio do fim.

Em 2010 o gestor afirmava ao “Expresso”: “ser líder não tem a ver com ego. Ser líder é ser humilde, ver e ouvir e associar-lhe determinação e decidir”. Bonitas palavras, daquelas que as levam o vento. Passada uma década, Mexia não corresponde a nada do que disse.

Não exclamo: “pura hipocrisia”, porém, a humildade propalada esvaiu-se, se alguma vez existiu. E o “ver” e “ouvir” degradou-se numa corte de amigos e lambe-botas que olhavam para ele como o “rei-sol” e lhe sopravam apenas o que lhe agradava, deixando-o numa redoma que não consentia a entrada da palavra verdade. Assim, nesse universo paralelo onde morava, não deu pelo crescente acinte da comunidade contra ele.

Ruy Castro escreveu a biografia do grande Nelson Rodrigues, intitulava-se: “O anjo pornográfico”. Quando a Tinta da China o editou por cá, como teaser, questionou: “Génio ou louco? Tarado ou púdico? Reaccionário ou revolucionário? Raivoso ou apaixonado?”. A Mexia, as dúvidas que o rodeiam após o processo que impende sobre ele também são de monta e têm de ser esclarecidas talvez também um dia num livro a publicar: Competente ou corrupto? Visionário ou egocêntrico? Transparente ou opaco? Cândido ou tenebroso?

Mas há algo que não tem perdão. Saber-se, num momento em que muitos milhares de compatriotas batalham para salvar os postos de trabalho e negócios honestos, que vai auferir 800 mil euros/ano, até 2023, da EDP, depois das gravíssimas acusações que o obrigaram a abandonar a companhia é, simplesmente, obsceno.

Príncipe Perfeito era D. João II e mais ninguém. Agora, na percepção popular, António Mexia é apenas um príncipe pornográfico, olhado com desdém e uma das figuras mais odiadas pelos portugueses. Algum dos seus pajens que o avise.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.