Portugal tudo perdoa e relativiza. Somos tão cristãos que até perdoamos a quem jamais demonstrará arrependimento, desde políticos sem ética nem vergonha, a gestores geniais que arruinaram milhares de vidas. Na verdade, tudo é facilmente perdoado neste país, das pequenas às maiores patifarias, exceto uma coisa: morder a mão de quem nos alimenta. Foi o que fez o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, que, num país pequenino, cometeu o pecado supremo. Virou-se contra a ordem natural de que ele próprio fizera parte durante anos, como gestor da CGD e de outros bancos.
Senão vejamos: este é o governador que não só ‘mordeu a mão’ do primeiro-ministro que o nomeou, José Sócrates, como mais tarde ajudou o seu sucessor a deitar abaixo o maior lobby que existia em Portugal e que alimentava muita gente dos negócios, da política, da comunicação social e até dos sindicatos. Isto é imperdoável para muitos que prefeririam que o governador tivesse seguido os passos do seu eficaz e vigilante antecessor, que, como sabemos, acabou por ser promovido para Frankfurt.
Carlos Costa cometeu erros, a resolução do BES foi uma experiência trágica e existem questões por explicar sobre a sua passagem pela Caixa, tal como o JE tem noticiado nas últimas edições, numa excelente investigação da nossa redatora principal Lígia Simões. Mas não podemos ignorar que o seu percurso é semelhante ao de 99% dos quadros da banca portuguesa, que fizeram carreira sem levantar ondas e, expressão apropriada, ajudando ao quórum dos comités de crédito.
O que o distingue de outros que entravam mudos e saíam calados de tais convénios é o facto de, assim que teve poder para tal, ter tido a coragem de enfrentar interesses que jamais haviam sido desafiados. Só por isso, Carlos Costa já merece o nosso respeito, independentemente de tudo o resto. Tivesse agido de outra forma e hoje não seria vítima da máxima, apócrifa, atribuída a um dos pais do regime: “Aos amigos, tudo. Aos inimigos, nada. Aos restantes, cumpra-se a lei”. O governador encontra-se na segunda categoria, mas arrisca-se a receber também o tratamento previsto para a terceira.