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APB questiona Parlamento sobre o fim das comissões nos procedimentos de habilitação de herdeiros

“Os custos de uma habilitação de herdeiros custarão, num serviço do balcão de heranças, entre 150 euros a 425 euros, a que acrescem custos com consultas a bases de dados e certidões. Ou seja, sendo estas Propostas aprovadas, os serviços do Estado, os notários, os advogados poderiam continuar legitimamente a cobrar o preço dos serviços por si prestados, mas os bancos, não”. destaca a APB.
Cristina Bernardo
14 Fevereiro 2023, 15h14

A Associação Portuguesa de Bancos (APB), numa carta à Comissão de Orçamento e Finanças, tece fortes críticas às alterações legislativas previstas que limitam a cobrança de comissões na habilitação de herdeiros.

Entre as soluções normativas propostas pelo Parlamento e que motivaram os comentários da Associação Portuguesa de Bancos (APB) “sobre os Projetos de Lei n.º 479/XV/1.ª (PS), n.º 465/XV/1.ª (PAN) e n.º 466/XV/1.ª (PAN)”, encontram-se a introdução da limitação da cobrança de comissões “ou encargos diretos” pelas instituições de crédito nos procedimentos de habilitação de herdeiros por óbito de um titular de conta bancária; e a limitação da cobrança de comissões “ou encargos diretos” pelas instituições de crédito no âmbito de processos de alteração da titularidade da conta à ordem, em determinadas situações, como o falecimento de um dos cônjuges ou alterações dos representantes legais dos titulares. Mas também as limitações à cobrança de comissões nos procedimentos de habilitação de herdeiros.

“O novo artigo 3.º-B prevê que seja vedado aos bancos cobrar qualquer comissão ou encargo direto pelo processo de habilitação de herdeiros por óbito de titular de uma conta bancária, cujos ativos não ultrapassem 50 mil euros, quando o habilitando for herdeiro legitimário do titular ou quando aquele seja titular de uma conta de serviços mínimos bancários. Fora de tais situações, o comissionamento deste serviço é possível, não podendo, contudo, exceder 10% do Indexante dos Apoios Socais (IAS), ou seja, em 2023, os 48,04 euros”.

A esta redação da norma, a APB responde com “algumas dúvidas interpretativas que importa clarificar”. A saber: “os três requisitos, previstos no n.º 1, são cumulativos ou individualizados? O valor dos 50.000 euros será o valor dos ativos da herança à data do óbito ou à data da tomada de conhecimento do Banco?”.

A APB levanta ainda outras dúvidas, nomeadamente “se os herdeiros do autor da sucessão não se limitarem a herdeiros legitimários, e existirem por exemplo, herdeiros testamentários ou legatários (a par de herdeiros legitimários), é possível a cobrança da comissão? Ou desde que exista um herdeiro legitimário não é possível a cobrança da comissão? Ou a cobrança da comissão depende de quem venha requerer o documento da relação de ativos e passivos que o Banco está legalmente obrigado a emitir?”

Mas há mais. “Se para um mesmo processo de óbito o documento for solicitado por um herdeiro legitimário e por um herdeiro testamentário, é possível cobrar ao herdeiro testamentário e não cobrar ao herdeiro legitimário?”, pergunta a APB que questiona também “se o documento for solicitado por um cabeça de casal que nem sequer é herdeiro podem os bancos cobrar?”.

“O que se entende por encargos diretos? Em que medida é que esta conceito difere do conceito de “despesas”, previsto no Aviso do Banco de Portugal n.º 8/2009?”, pergunta a APB.

“Caso existam diversos herdeiros (legitimários ou não) e só um tenha conta de serviços mínimos bancários, ou nenhum tenha conta de serviços mínimos bancários, aplica-se, necessariamente, o n.º 2?”, deixa também aos deputados esta dúvida a associação liderada por Vítor Bento.

“Sem prejuízo das dúvidas interpretativas enunciadas, as proibições e limitações, aqui em apreço, suscitam sérias preocupações ao setor”, refere a APB. Isto, diz, “considerando que aos bancos cabe analisar um conjunto de documentação (escrituras, testamentos, certidões, comunicações, que requerem especiais conhecimentos, e cujo correta interpretação e análise é determinante para aferir como e quem poderá movimentar os saldos das contas dos falecidos; que aos bancos cabe assegurar se já foi cumprida a obrigação declarativa e/ou de pagamento do imposto do selo; que qualquer das obrigações anteriormente referidas comporta responsabilidade perante terceiros”.

Outra das preocupações leva em consideração que “os processos de habilitação de herdeiros apresentam, as mais das vezes, especial complexidade, envolvendo, por exemplo, a aplicação de regimes legais vigentes noutras jurisdições e a análise de documentos emitidos em vários países, ou com existência de menores herdeiros, testamentos, litígios entre herdeiros; e que os bancos incorrem em custos elevados no tratamento dos processos de habilitação de herdeiros, afetando a estes recursos com formação sólida na matéria em apreço, capazes de análises detalhadas face à legislação em vigor, de interpretar peças processuais, nomeadamente escrituras de habilitação de herdeiros, testamentos, documentos elaborados no estrangeiro, sentenças de tribunais (inventários, maiores acompanhados, menores), havendo ainda necessidade, em processos complexos, da emissão de pareceres jurídicos que garantam a libertação dos valores, objeto de habilitação, com o mínimo de risco possível”.

Ora, questiona a APB, “perante o âmbito, complexidade, custos, responsabilidade e relevância para os clientes do trabalho desenvolvido pelos bancos neste âmbito, como se justifica, então, que estes não possam legitimamente repercutir nos clientes os custos em que incorrem com os processos de habilitação de herdeiros?”

“A manifesta desproporcionalidade, desrazoabilidade e desadequação destas propostas, é – parece-nos – evidente se atentarmos nos demais serviços, prestados por outras entidades, nelas incluindo os serviços do Estado, que constituem, também eles, condição sine qua non para que um herdeiro possa tomar posse efetiva de bens que tenham pertencido aos falecidos”, defende a associação que representa a banca.

A APB dá exemplos para a sua indignação, “os custos de  uma habilitação de herdeiros custarão, num serviço do balcão de heranças, entre 150 euros a 425 euros, a que acrescem custos com consultas a bases de dados e certidões. Ou seja, sendo estas Propostas aprovadas, os serviços do Estado, os notários, os advogados poderiam continuar legitimamente a cobrar o preço dos serviços por si prestados, mas os bancos, não”.

“Por seu turno, nos casos em que os herdeiros do de cuius não forem herdeiros legitimários, os bancos poderiam cobrar apenas 48,04 euros, enquanto que o Estado, por reconhecer capacidade contributiva aos herdeiros, poderia continuar a cobrar uma coleta de Imposto do Selo correspondente a 10% do valor do património do falecido”, destaca a APB.

Qual o fundamento razoável que justifica esta solução? Pergunta a associação na carta enviada à COF. “Parece-nos manifesto que esta desatende aos princípios e valores consagrados na Constituição da República Portuguesa, atribuindo um benefício ao cliente bancário sem qualquer fundamentação que justifique o sacrifício dos interesses do banco em se ressarcir dos custos em que incorre, discriminando-o face aos demais prestadores de serviços e credores da herança e dos herdeiros, nomeadamente, o credor tributário”, acusa a associação.

O Projeto de Lei n.º 479/XV/1.ª (PS), que visa adotar normas de proteção do consumidor de serviços financeiros, foi apreciado em sessão plenária da Assembleia da República, no passado dia 20 de janeiro, tendo baixado à Comissão de Orçamento e Finanças (COF), sem votação, por 30 dias.

Na carta enviada à COF, a APB lembra que “a comparação de métricas de comissões líquidas em função de algumas variáveis permite um enquadramento da situação relativa do sistema bancário português no contexto da área do euro, não parecendo existir evidência de que o nível médio de comissionamento no sistema bancário português apresente um desvio significativo face ao nível médio de comissionamento na UE”.

“Importa também notar que existem especificidades na cobrança de comissões nos diferentes Estados-Membros da área do euro que justificam alguma cautela na comparação de valores médios de comissões líquidas. É o caso, por exemplo, das limitações existentes em Portugal à cobrança de comissões relativas ao levantamento de notas através de cartão de débito em ATM, que não se verificam noutros Estados-Membros”, defende a APB na carta ao Parlamento.

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