Na próxima sexta-feira assistiremos à tomada de posse de Donald Trump, a mais polémica de que há memória. Começo por esclarecer que não me impressionam as palavras de ordem da nomenclatura de Holywood, ou o mal estar da intelectualidade burguesa do eixo Nova Iorque/Boston. Por melhor que possa ser um presidente republicano, estas elites estarão sempre insatisfeitas e indignadas, serão sempre dramaticamente amplificadas pela imprensa liberal e estão frequentemente divorciadas do sentimento popular.
O que me preocupa em Trump não é o que dizem dele, é o que o próprio não pára de dizer. É a sensação de vermos um bólide de 500 cavalos nas mãos de um adolescente excitado, sem carta, numa rua congestionada e apinhada de peões. Ouvimos de Trump os maiores dislates em campanha. Desde o muro da vergonha com o México ao desrespeito pelas mulheres, passando pelo mais imbecil chauvinismo. Creio que em todos nós havia a secreta esperança de se estar perante um populismo sem escrúpulos que a realidade do poder se encarregaria de dissipar.
Aparentemente, puro engano. Desde a sua eleição, Donald Trump conseguiu dia após dia agravar e alargar o espectro das suas alarvidades políticas. Para quem previa um mau cenário, Trump surpreendeu com uma péssima conduta política. Não se dirá que é um elefante numa loja de porcelanas, por respeito ao elefante, e por não haver notícia de um Twitter em versão paquiderme.
Os Estados Unidos nascem a partir da Europa e dos europeus; crescem, afirmam-se e lideram em parceria com a Europa, passando de protegidos a protectores, conduzindo o mundo após a Guerra-Fria, comandando a ordem mundial que agora termina. O peso dos Estados Unidos no quadro das nações foi no último século incontornável; tiveram o supremo poder de fazer a guerra e de impor a paz, o que realmente conta nas relações entre os Estados fortes.
Confundindo ligeireza com inovação, Trump e os seus tweets tiveram o dom de pôr o mundo em estado de sítio. Em pouquíssimo tempo, Trump conseguiu piorar significativamente o já débil estado das relações entre Israel e a Palestina, com o anúncio tão estúpido quanto ofensivo para todos da abertura da embaixada americana em Jerusalém. Trump tratou de arrasar o Obamacare, ainda antes de Obama sair. Trump ameaça a China sem tratar de ponderar as consequências. Trump hostiliza o México ostensivamente, com quem tem a mais crítica fronteira terrestre.
Mais. Trump acolhe Farage, que os britânicos rejeitam, com honras desproporcionadas. Trump leva para o seu inner circle gente com suspeitas sérias de ligação ao Ku Klux Klan. Trump escolhe para governar gente com relações opacas com poderes transnacionais. Por fim, mais importante até agora, Trump insulta a ONU, anuncia a obsolescência da NATO e proclama o fim da União Europeia. E ainda não tomou posse.
Esta insolência perante a ONU, a ameaça à NATO e o ataque à União Europeia só podem encontrar conforto e simpatia entre as gentes do PCP e do Bloco. É um tempo realmente novo, a exigir uma revisão profunda de posições perante esta nova administração americana que se situa entre o PNR e a Frente Nacional no plano interno e o PCP e o Bloco no plano externo.
Um humilde conservador como eu, estudioso aplicado da Ciência Política e das Relações Internacionais, não consegue encontrar encaixe para tal esquizofrenia nos paradigmas até agora aceites para a diplomacia e o normal relacionamento entre os Estados. Virá aí uma coisa nova, que desconhecemos. Pode até, por milagre, nem acabar mal, mas, à cautela, apertem bem os cintos.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.