Como caracteriza os comportamentos e conhecimentos financeiros da população portuguesa, atualmente?
Ainda há muito trabalho a fazer, embora os resultados publicados em 2016 pela OCDE, onde se incluem os resultados ao inquérito à literacia financeira dos portugueses realizados em 2015, mostrem que Portugal está acima da média dos países europeus em 9 de 12 questões relacionadas com comportamentos financeiros. Para lhe dar alguns exemplos, mais de 70% dos inquiridos referiu que faz um orçamento familiar, quando a média europeia ronda os 60%. Depois, mais de 80% dos portugueses afirmou analisar algum tipo de informação antes de contratar um produto financeiro. Aqui a média europeia está abaixo dos 50%. Estes resultados são encorajadores mas todos temos bem presente o muito trabalho que este projeto exige.
No plano europeu, em que patamar está Portugal?
Estamos de facto acima da média em muitas matérias. E este é um aspeto que importa frisar. Por vezes, julgo que se tem a perceção contrária e é importante que se perceba que os portugueses estão despertos para estes temas e reconhecem a importância da informação e da formação financeira. Há, contudo, duas áreas em que os resultados foram menos positivos. Uma delas refere-se à proatividade na aplicação de poupança. Efetivamente, ainda que os portugueses reconheçam a importância de poupar parece existir um desconhecimento relativamente aos produtos mais adequados ao objetivo de poupança e às características destes produtos. Esta é uma realidade que importa alterar e para isso é fundamental o trabalho dos supervisores financeiros. É preciso reforçar a confiança no setor financeiro, é preciso educar para as questões financeiras. Os receios e as dúvidas na aplicação de poupança são sobretudo resultado da escassez de informação. Também no que diz respeito à informação a que se recorre antes de escolher um produto financeiro posicionamo-nos abaixo da média europeia. Revelamos alguma tendência para deixar essa decisão para o operador financeiro a que nos dirigimos ou a seguir as recomendações de familiares ou amigos.
Apontaria o trabalho feito por algum país em particular?
Aponto o trabalho desenvolvido por Portugal e não o faço movido por uma qualquer demonstração de patriotismo da minha parte. É que temos sido verdadeiramente exemplares nesta matéria. O trabalho dos supervisores financeiros na implementação do Plano Nacional de Formação Financeira é apontado como exemplo a nível internacional. A coordenação de esforços entre os três supervisores financeiros nacionais (ASF, BdP e CMVM), a forma como temos desenvolvido a estratégia, sempre alicerçada em parcerias estratégicas, a criação de referenciais em diferentes domínios, a criação de programas de formação sustentados e, sobretudo, a isenção que caracteriza o nosso projeto, tornam-nos num caso tido como exemplo para outras estratégias nacionais. Temos projetos estruturais desenvolvidos com o ministério da Educação, o ministério da Economia, através do IAPMEI, com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte e, mais recentemente, com o Instituto do Emprego e da Formação Profissional. Todos eles mostram a dimensão atual da estratégia de educação financeira em Portugal.
No seio da sociedade, existem grupos a merecer especial atenção na estratégia de formação financeira?
Quando a estratégia nacional de educação financeira se iniciou, o primeiro e mais importante público-alvo foram as escolas. E essa continua a ser uma prioridade para nós. As crianças e jovens têm a capacidade de alterar definitivamente a forma como olharemos para estas matérias no futuro. A educação financeira é neste momento um dos domínios obrigatórios a desenvolver em pelo menos dois ciclos do ensino básico de acordo com a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania. Para além disso, Portugal irá fazer parte do PISA (Programme for International Student Assessment)sobre a avaliação da literacia financeira da OCDE, a realizar em 2021. Sabemos que os resultados podem não ser visíveis no imediato, mas acreditamos que uma boa estratégia não deve assentar em pés de barro e por isso a opção foi esta. Educar desde muito cedo e de forma sustentada parece-nos ser a forma acertada de trabalhar.
Em que áreas se registam maiores lacunas?
As lacunas podem diferir consoante o público-alvo com o qual estejamos a trabalhar, mas há alguns aspetos que são comuns. A baixa proatividade na aplicação de poupanças e a tendência para delegar em terceiros as decisões ao nível da aquisição de produtos financeiros estão no topo das áreas que precisam de ser trabalhadas. Os portugueses demonstram também dificuldade em entender alguns conceitos relacionados com produtos financeiros. No caso do setor segurador temos vindo a identificar dificuldades em perceber conceitos associados à generalidade dos contratos de seguro, como sejam os conceitos de franquia ou de período de carência. Também ao nível dos deveres de informação dos clientes persistem ideias menos corretas. A generalidade das pessoas olha para a questão dos deveres de informação como uma responsabilidade exclusiva de quem vende, quando na verdade, a responsabilidade é de ambas as partes e desrespeitar este dever de transparência e informação pode conduzir a problemas na execução destes contratos.
E no sentido oposto, em que matérias os portugueses se mostram mais esclarecidos?
Os portugueses mostram-se cada vez mais conscientes dos benefícios de um adequado planeamento do orçamento familiar, sendo as suas atitudes e comportamentos a este nível muito positivos. Há controlo sistemático das finanças pessoais e preocupações relacionadas com a poupança. A experiência que temos, até ao nível das ações de formação que conduzimos no terreno, demonstra isso mesmo. Aliás, a ASF vai lançar no próximo mês uma app de finanças pessoais, que irá auxiliar os portugueses nesta tarefa. A app “Os Meus Seguros” vai permitir aos utilizadores gerirem os seus seguros numa única plataforma, com alertas de renovação das apólices.
Na esfera empresarial, como avalia a evolução dos níveis de literacia?
As micro, pequenas e médias empresas é outro dos grupos com o qual já temos trabalho desenvolvido. Somos, aliás, pioneiros na publicação de um Referencial de Formação Financeira dirigido a este público, um documento orientador que tem sido utilizado como exemplo a nível internacional. A nossa experiência a este nível tem mostrado que também há muitas fragilidades nestes públicos. As empresas estão, por vezes, demasiado focadas na necessidade de obtenção de financiamento e descuram outros aspetos essenciais para o desenvolvimento sustentável do negócio, tais como os seguros. Temos trabalhado para alterar essa realidade. Desenvolvemos um módulo muito completo sobre esta temática para o Referencial de Formação Financeira com o objetivo de trabalhar mais aprofundadamente estas questões.
Que desafios estão a surgir com os novos produtos financeiros e a expansão de canais digitais?
Essa tem sido uma preocupação da estratégia nacional. A crescente digitalização dos serviços financeiros traz consigo muitas oportunidades, mas também riscos que importa acautelar. Essa preocupação está refletida na revisão da estratégia do Plano Nacional de Formação Financeira, para o período de 2016-2020, que prevê o desenvolvimento de atividades que sensibilizem a população para os riscos na utilização dos serviços financeiros digitais.
Por onde passa, a curto/médio prazo, a estratégia de reforço da literacia financeira?
A estratégia nacional de formação financeira foi revista em 2016 e sê-lo-á novamente em 2020. Tivemos sempre esta preocupação de fazer uma autoavaliação do trabalho desenvolvido. A estratégia passará por dar continuidade aos projetos estruturais que resultaram das parcerias estabelecidas nos últimos sete anos, mas também por apostar em públicos com os quais temos trabalhado menos. Já referi que as populações vulneráveis estão nas nossas prioridades, mas estamos também preocupados com a necessidade de sensibilizar para a importância da poupança com o objetivo de preparar a reforma.
Particularmente no setor segurador, que impacto prático tem este reforço?
Os impactos podem ser enormes. Não foi por acaso que se consagraram estatutariamente obrigações para a ASF a este nível. Muitos dos problemas identificados na execução dos contratos de seguro resultam de falta de informação. Como já referi, estamos também muito atentos aos desafios que decorrem da crescente digitalização dos produtos financeiros e reconhecemos a necessidade de sensibilizar os consumidores para estas questões. Especialmente as camadas mais jovens da população que vão confrontar-se com desafios muito significativos de um mercado em constante evolução. A questão da sensibilização para importância da poupança com o objetivo de constituição da reforma é também uma matéria da maior importância para nós e uma em que a ASF tem especiais responsabilidades.
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