Foi um míssil e não um tweet que abanou o mundo no princípio de 2020. Um ataque que matou um oficial, incendiou uma população, lançou gasolina para uma fogueira que já era incandescente. Por causa deste ato a instabilidade reinstalou-se, a economia ressentiu-se e o receio de pessoas e mercados reapareceu. A justificação do ataque pode servir para consumo interno americano e ninguém quer acreditar que tenha sido motivada por eleitoralismo ou desvio de atenção do processo de impeachment.
É difícil ficar indiferente não apenas à forma do ataque mas principalmente às consequências que dele se esperam. É deste tipo de situações que os terroristas se alimentam, para encontrar uma ténue justificação para lançar ataques injustificados. E assim voltarmos a viver nos momentos de ansiedade que um qualquer ataque passível de ser lançado, seja sobre bases militares ou instalações diplomáticas, provocam em pessoas que não têm ou tiveram qualquer responsabilidade nas decisões. O direito à vida de militares e diplomatas que representam o seu Estado têm o direito de ser considerados no mesmo plano de direitos e deveres dos restantes cidadãos.
Surgem nuvens negras nos céus. As ameaças cruzadas e em crescendo que desencadeiam paixões podem ser apenas um jogo conjuntural ou o princípio de um jogo de xadrez cada vez mais complexo. Seguro que a morte de um general não diminui o perigo de ataques, que sendo reais fazem parte de uma estratégia e não são resultado de uma decisão unilateral e de mero âmbito pessoal. E o desaparecimento de uma pessoa pode atrasar, mas não pára a atitude beligerante.
O Médio Oriente continuará a ser o barril de pólvora do mundo, para onde convergem interesses de potências, manifestações de poder e de domínio, desejo de controlo do tabuleiro onde os protagonistas jogam um braço de ferro incompreensível e inacreditável. Região onde vivem milhões de pessoas e que em nome de nada se exercitam palavras que provocam mortes, feridos, vidas reviradas e sem futuro.
Ali tudo parece ligado. O Irão que quer dominar a região e a Arabia Saudita que quer contrariar esse avanço, Israel que quer sobreviver e que todos atacam, com e sem razão. Síria, Líbano, Iraque, Curdistão, Turquia. Tudo muito para além de conflitos religiosos entre cristãos, judeus e muçulmanos ou de xiitas ou sunitas. Como entender o comportamento de Estados que agem por si com uns e logo a seguir contra os mesmos. Como aceitar a atitude de Estados que apoiam o terrorismo e os terroristas que não respeitam nenhum Estado e de Estados que lançam o terror interno e as alianças que se fazem e desfazem sem que alguém consiga compreender o que não tem justificação lógica e durável.
No meio estão as pessoas. As que alheadas dos conflitos sofrem e receando as consequências fogem dos morteiros, bombas e tiros. As que fogem das tiranias de Estado e dos grupos beligerantes que as condicionam. Pessoas que se tornam migrantes, internos e externos, transformando-se em párias, pois não podem estar no seu território e ninguém verdadeiramente os quer, em território que não é seu. Podem ser mais ou menos tolerantes, mas ninguém quer refugiados de guerra ou fugidos da irracionalidade social e económica.
Não havendo racionalidade plausível, ninguém sabe onde estas situações vão conduzir. Olhando à duração dos conflitos, estes estão para ficar. Mas não podemos aceitar que os ataques não sejam condenados venham de onde vierem, nem podemos tolerar que as mortes continuem, em nome de exercícios de poder e de domínio de uma região que nem consideram ou respeitam as populações que deveriam administrar.