Todos temos uma obrigação para com o futuro: o de fornecer uma educação melhor aos nossos jovens. Mas estamos a falhar. E a pandemia agravou as nossas dificuldades.
No meu ensaio Aprender, procuro olhar para os dados, os resultados da investigação científica e a experiência dos professores. Procuro extrair conclusões e defender algumas medidas simples que podem proporcionar um futuro melhor aos nossos jovens.
Começo pela pandemia, mostrando que estivemos cegos perante a realidade desde 2016, quando destruímos as avaliações nacionais que, com maior e menor sucesso, existiam desde o princípio do século XXI. Em seguida, mostro como as avaliações não só nos ajudam a conhecer a realidade, como elas próprias, as provas e os exames, ajudam a realidade a evoluir. Exponho alguns estudos científicos recentes que o mostram, com experiências e com dados estatísticos.
Mas avaliar o quê? A resposta parece simples – e é simples. Trata-se de avaliar o conhecimento e a formação dos alunos, começando pelo seu conhecimento disciplinar. No entanto, e de forma surpreendente para quem não acompanha os debates sobre educação, não é esta a resposta que mais se ouve em muitos meios educativos. Pelo contrário, fala-se em competências aplicadas, em espírito crítico, em criatividade e muitas outras componentes da formação dos jovens que não fazem sentido sem ter base no conhecimento. Daí que seja importante defender a importância do conhecimento em geral, e do conhecimento disciplinar em particular. Daí que seja importante ensinar e estudar.
Vou falar de dois ou três dos tópicos fundamentais da argumentação desenvolvida no meu ensaio Aprender, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Não é a exigência curricular que desanima os estudantes
As queixas que se ouvem, ou ouviam, de os alunos decorarem tópicos em vez de os entenderem e os assimilarem de forma profunda são, por vezes, reais. Mas não pelas razões que habitualmente se apontam. Diz-se muitas vezes que o currículo é extenso e tem pouca relação com a realidade e com os interesses dos alunos. Mas não é disso que se trata. O que leva os alunos a memorizarem cegamente a matéria é não verem nela estrutura, não verem relações entre os temas nem progressividade que torne a aprendizagem significativa.
Quando o currículo é bem estruturado, os alunos conseguem dar sentido ao estudo em vez de memorizarem factos dispersos. Conseguem não se aborrecer e ter gosto em aprender. Depois, é necessário passar à fase seguinte, a dos desafios e das descobertas.
Mas os alunos não são pequenos investigadores. Para os levar a desafios, é necessário transmitir-lhes os conhecimentos necessários, bem estruturados. Não se podem queimar etapas. E é por isso que a pura aprendizagem por descoberta não funciona. A arquitetura cognitiva humana, que tem como ponto de entrada no conhecimento uma consciência (memória de trabalho) muito estrita, necessita de avanços progressivos por pequenas etapas, tal como a psicologia moderna mostra e tal como inúmeros estudos empíricos concluem.
Uma vez adquiridos, em cada etapa, os conhecimentos essenciais, pode passar-se a uma nova fase. Pode, e deve, avançar com desafios aos estudantes. Não se trata de misturar estratégias pedagógicas, mesclando transmissão de conhecimentos e pedagogia pela descoberta, conforme algumas visões ecléticas advogam. Trata-se de ser coerente. Os desafios surgem quando os jovens têm o conhecimento e a capacidade para os enfrentar. Nessa altura, regista-se o chamado efeito de reversão da perícia, o ensino mais rotineiro deixa de desafiar os jovens e pode mesmo prejudicar a sua evolução.
Os jovens podem ser levados a desafios estimulantes se tiverem adquirido a preparação necessária e forem devidamente orientados. Não quando são irresponsavelmente deixados a si próprios.
Tudo isto deve ser claro na formulação e aplicação do currículo. Mas o plano de estudos é apenas o começo, pois trata-se de uma intenção. Em seguida, é preciso aplicá-lo e verificar a sua assimilação. Por isso é necessário avaliar.
Avaliar ajuda a aprender
Um argumento muito comum contra os testes e exames é o da sua inutilidade. Diz-se que não é por ser testado que um aluno aprende, é antes por ser ensinado e por estudar. É um argumento muito comum, embora irracional. O mesmo argumento poderia ser aplicado às análises e outros exames médicos. Não são eles que nos curam, mas nem por isso são inúteis.
A inutilidade dos testes e exames vai contra a racionalidade. E vai também contra a prática dos professores experimentados, que passam a vida a indicar trabalhos de casa e perdem noites a corrigir esses trabalhos, semana após semana, ano após ano. Os professores fazem-no porque sabem que essa é uma forma de os estudantes verificarem e reforçarem os seus conhecimentos, reverem as matérias e praticarem os procedimentos que estudam. Ou seja, os professores sabem que os alunos aprendem melhor quando se defrontam consigo próprios face a uma tarefa. E os professores experimentados fazem mais. Estão constantemente a fazer perguntas aos alunos e dão à turma trabalhos para serem feitos individualmente ou em pequenos grupos, durante ou depois da aula.
Tudo isso são formas de testar os conhecimentos – e de os reforçar. É o que se chama avaliação formativa, sem impacto, ou com pouco impacto, na classificação dos alunos.
A tese da inutilidade dos exames e testes vai também contra as ciências cognitivas modernas, que descobriram e estudaram experimentalmente o efeito da testagem de conhecimentos sobre a aprendizagem. E o que descobriram? Que ser-se testado é uma forma muito eficaz de consolidar a aprendizagem e de aprender. Tão eficaz que hoje se lhe dá um nome: o «efeito de teste».
Mas a avaliação formativa não basta. É necessário que esta seja apoiada em avaliação nacional estandardizada – testes e exames –, com foco no currículo de forma a orientar e estimular o estudo dos jovens.
Um tripé de políticas educativas baseado nos dados e na experiência
Falta ainda um terceiro ponto, que completa estas duas componentes, o currículo e avaliação. Esse terceiro elemento é um plano de promoção do sucesso. Paralelamente à luta por padrões académicos elevados, é necessário apoiar os alunos com mais dificuldades. Em Portugal, isto foi definido em 2012, numa lei especial que vinculou o Estado a dar meios (créditos horários de professores) às escolas para o apoio a estudantes com dificuldades académicas. Infelizmente, essa política sistemática foi depois abandonada, sendo realçado o apoio socioemocional.
Porque é necessária esta terceira perna do tripé de políticas educativas? Porque os apoios, começando pelos apoios cognitivos, são a resolução certa do binómio exigência-dificuldades.
A maior acusação à promoção da exigência curricular e à avaliação dos estudantes é a de que tal exigência apenas serve os filhos de famílias mais favorecidas e que prejudica, deixando para trás, os jovens menos preparados, que provêm, frequentemente, de meios sociais mais desfavorecidos. Para começar, isso não é necessariamente verdade. Mas qual é a solução positiva? Reduzir a exigência, prejudicando todos? Absurdo!
A resposta é simples, e é frequentemente ignorada. A resposta é promover políticas de apoio especial aos alunos com mais dificuldades. Como se faz isso? Faz-se, por exemplo, destacando recursos da escola para apoiar esses estudantes, em pequenos grupos ou individualmente, em paralelo com as aulas e depois delas.
Sintetizando, precisamos de um tripé de políticas, um tripé baseado num currículo ambicioso, numa avaliação rigorosa do progresso dos estudantes e numa prática sistemática de apoio aos jovens com mais dificuldades. A experiência portuguesa mostra que conseguimos progredir enquanto nos centrámos nessas três políticas, e que começámos um retrocesso desastroso quando as abandonámos. É tudo isto que procurei tornar claro no meu ensaio Aprender.