Conta a história que Hitler, em agosto de 1944 para impedir que os aliados tomassem Paris mandou destruir a cidade com a colocação de explosivos em pontos estratégicos: “As pontes do Sena devem ser preparadas para a sua destruição. Paris não deve cair nas mãos do inimigo a não ser como um montão de ruínas”. O governador alemão da cidade, o general Von Cholitz, recusou a ordem não acompanhando a loucura destrutiva do líder nazi. Essa aventura foi glosada em livro e em filme na década de sessenta. Paris resistiu.

Quase 75 anos depois renova-se a loucura, embora sem ter origem numa ordem maníaca. Com infeliz frequência, ano após ano o país arde. Não se trata de uma notícia falsa. Assistimos aterrados à voracidade das chamas que sem respeito pelo património, pelas pessoas e pela história, engolem tudo à sua volta. O país não resiste a estes desastres naturais.

Ninguém consegue adivinhar quando um incêndio vai assumir contornos incontroláveis e dramáticos. Drama que aumenta em intensidade depois dos grandes incêndios do ano passado quando, entretanto, nos criaram a convicção de que este ano seria diferente. É verdade que não há praticamente perdas humanas, mas os danos patrimoniais, ambientais e históricos vão deixar uma marca profunda nas populações e na nossa memória.

A imagem de confiança e de compromisso com a segurança fica muito abalada. Fica provado que não é com números de investimento em recursos que a situação se controla. Erros profundos de opções florestais ou arbóreas contribuem para o combustível das chamas. Que hoje colocam em perigo uma das vilas mais autênticas e preservadas do Algarve e amanhã podem pôr em causa uma zona de património mundial ou um grande centro urbano.

Ainda os dramas de junho e outubro do ano passado não foram interiorizados e assistimos impotentes, e de novo em direto, à destruição do país. Em concreto de uma região que estava referenciada como potencialmente incendiável. O que falhou? Impotência ou incompetência? Estamos novamente perante decisões adiadas, estratégias incorretas, opções erradas… Foi fácil anunciar investimento, difícil é assegurar eficácia.

Em março de 2001, o então ministro do Equipamento Social Jorge Coelho assumiu a responsabilidade política pela tragédia da queda da ponte de Entre-os-Rios. Não lhe podia ser assacada qualquer responsabilidade direta pelo incidente, mas o governante assumiu uma atitude de coragem que ainda hoje é recordada.

Em 2017, nenhum membro do Governo português assumiu direta e consequentemente qualquer responsabilidade política pelos incêndios que causaram mais de uma centena de mortos. Pagaram o preço os quadros intermédios da Proteção Civil. Até na Grécia, e já este verão, um membro do governo soube assumir a responsabilidade política demitindo-se na sequência de um incêndio de grandes e horríveis proporções.

Este ano, felizmente e até ao momento sem mortos para lamentar, choramos a perda do património que não será regenerável numa geração. Habituamo-nos com excessiva facilidade a assistir à falta de responsabilidade política e, mais uma vez, não se prevê que alguém a assuma. Talvez andem todos demasiado ocupados a salvar a sua pele de outros fogos.