O conceito de articulação não consta do léxico científico e, por isso, não está patente no “Dicionário de Política”, coordenado por Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino. Ainda assim, não deixa de ser um termo mediático e utilizado de forma recorrente nos órgãos de comunicação social para descrever fracassos da acção governativa, sem atender à natureza do próprio sistema de governo.

Sérgio Abranches, cientista político brasileiro e autor da classificação presidencialismo de coalizão, descreve, em entrevista à Nexo, que a “articulação política é a ação de liderança do presidente e de seus líderes de governo, seus líderes de partido, para manter a coalizão coesa e convencida da necessidade de votar a agenda do presidente”. No caso brasileiro, a articulação tem gerado uma política baseada no princípio descrito como “toma lá e da cá”, i.e., o governo consegue assegurar uma maioria parlamentar através da cedência de recursos públicos em favor dos congressistas que suportam a agenda do governo no Congresso.

Instaura-se, por conseguinte, uma rede clientelar em torno dos congressistas brasileiros. Sem este incentivo político, o parlamentar torna-se um actor de bloqueio da agenda do presidente e faz oposição ao executivo. Vigorosamente, o parlamentar tem legitimidade eleitoral para actuar contra a agenda apresentada pelo governo, na medida em que o seu mandato não está associado ao do executivo. São órgãos distintos e com agendas distintas. Ou seja, aplica-se o princípio de checks and balances, típico do desenho institucional presidencialista.

Podemos, assim, sintetizar que a articulação política procura ser um meio eficiente e eficaz de criar condições de governabilidade num sistema de checks and balances ou de fragmentação partidária, com três ou mais partidos, onde a agenda do governo unipessoal depende obrigatoriamente da aprovação do parlamento.

No entanto, hoje utiliza-se este conceito de uma forma lata e extensiva. Por exemplo, os jornalistas portugueses descrevem que o Governo de António Costa apresenta uma fraca ou nenhuma coordenação e articulação política no seio do próprio Governo. O que acaba por gerar um desgaste e fragiliza mediaticamente o governo.

A coordenação e a articulação política pressupõem, desde logo, que o governo é uma orquestra e os seus membros são músicos que devem interpretar, magistral e harmoniosamente, qualquer tipo de sinfonia. Assim sendo, a governabilidade representa, acima de tudo, eliminar as contradições e tensões entre as diferentes sensibilidades do governo. Ou seja, a democracia não deve existir dentro de um governo plural, visto que tal seria entendido como desarticulação política.

Vejamos, por exemplo, o caso do debate entre a Ministra Marina Silva, com a pasta do ambiente, e o Ministro Alexandre Silveira, com a pasta de Minas e Energia, ambos do governo de Lula da Silva. O ministério liderado por Marina Silva negou, através do IBAMA, a licença para a perfuração de um poço exploratório requerida pela Petrobras, na chamada margem equatorial na foz do rio Amazonas, opondo-se, assim, ao Ministro Silveira e à Petrobras, que defendem a exploração de petróleo na região.

Esta tensão acaba por evidenciar que o Governo encerra, em si, contradições e essas tensões servem como um elemento essencial para evitar um governo preso a uma eficácia presente e sem pensar numa agenda futura, onde questões de longo prazo também devem ser atendidas, sobretudo no que diz respeito ao meio ambiente e aos recursos necessários às gerações vindouras. A chamada desarticulação política pode representar governos compostos por ministros pensantes e dotados de espírito crítico e pode, muitas vezes, significar ganhos para o bem-estar colectivo.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.