Quando, há coisa de dez anos, decidi dedicar a minha carreira académica ao direito de autor, estava longe de imaginar que viria a participar ativamente naquela que veio a ser uma das mais sangrentas batalhas legislativas na União Europeia (UE). Outrora um ramo de direito periférico e obscuro, o direito de autor levou a indústria do entretenimento e multinacionais tecnológicas a gastar milhões de euros em lobbying, levou crianças às lágrimas com receio do fim da Internet e do encerramento da conta do Wuant, e levou milhares de pessoas às ruas em toda a Europa. Tudo por causa de um artigo – o infame artigo 13.º (agora artigo 17.º).

A principal lição que retirei deste processo foi que, surpresa das surpresas, ninguém liga ao que os académicos dizem. Falei e escrevi durante meses sobre o artigo 13.º e ninguém me deu cavaco, nem sequer a minha mulher. A Bumba e o Wuant fazem uns vídeos sobre o assunto e de repente não se fala de outra coisa.

Mas que a minha mulher não passe cartão ao que digo já eu estou habituado. O que me aborrece profundamente é que a maioria dos nossos eurodeputados tenha ignorado aquilo que centenas de académicos de unidades de investigação espalhadas por toda a Europa andaram a dizer desde que a proposta da Comissão foi apresentada: que o artigo 13.º devia ser removido. Houve, desde o início do processo legislativo, uma quase unanimidade científica em torno dos perigos que esta disposição representa para a inovação, a liberdade de expressão online e a cultural digital.

Em abono da verdade, diga-se que a versão final aprovada pelo Parlamento Europeu não é tão má como a proposta inicial da Comissão. Entre as alterações mais significativas conta-se a isenção de responsabilidade de enciclopédias online, repositórios científicos e algumas startups. Mas os principais problemas permanecem.

O primeiro, para que alertei no próprio Parlamento Europeu quando a procissão ainda ia no adro, é a extraordinária escassez de clareza da norma. A complexidade bizantina do artigo 13.º e a vaguidade da linguagem utilizada vão resultar em transposições díspares nos vários Estados-membros e numa falta de harmonização que em muito prejudicará o objetivo fundamental da Diretiva: a criação de um mercado único digital.

O segundo (e amplamente apontado) problema é o da necessidade implícita de as plataformas instalarem tecnologias capazes de filtrar conteúdos carregados pelos utilizadores que violem direitos de autor. Respondem os defensores do artigo 13.º que a versão final contém uma norma destinada a proteger a partilha de obras para efeitos de paródia. Mas esta não passa de uma norma para inglês ver.

Primeiro, porque nem todos os Estados-membros transpuseram para o respetivo ordenamento a exceção de paródia, entre os quais Portugal. (Podíamos aproveitar a transposição desta Diretiva para o fazer. Fica a dica.)

Segundo, porque exigir-se que os algoritmos não removam paródias não vai fazer com que eles subitamente aprendam a reconhecê-las. Identificar uma paródia requer, não raras vezes, exercícios de ponderação entre diferentes fatores, como o intuito humorístico do seu autor e o conteúdo – discriminatório e ofensivo ou não – da mensagem. Ora, uma das características dos juízos de ponderação é que duas pessoas razoáveis podem legitimamente discordar acerca da conclusão. São juízos eminentemente humanos e devem, como tal, ficar a cargo de humanos apenas.

A Diretiva será agora sujeita ao carimbo final do Conselho, onde ainda se pode formar uma (pouco provável) minoria de bloqueio. Uma vez terminada a batalha na UE, resta esperar que os Estados-membros deem ouvidos à comunidade científica na fase que agora se inicia – a da transposição para o direito interno.