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“Árvore da Vida” celebra a ideia de recomeço e diálogo

A artista Joana Vasconcelos criou uma instalação para a Sainte-Chappelle de Vincennes, em Paris, colocando em diálogo passado e contemporaneidade. As portas abrem hoje ao público.
Árvore da Vida © Atelier Joana Vasconcelos
28 Abril 2023, 14h02

A Árvore da Vida é um mito universal relacionado com a génese do Universo, da Humanidade e do Conhecimento. Mais. A Árvore da Vida era vista como a mãe primordial, um elemento feminino que gerava e distribuía a vida e tinha ainda o dom de atribuir a palavra. Por essa razão nos referimos às páginas dos livros como folhas, dado que a linguagem estaria escrita nas folhas da Árvore da Vida.

Mas não só. Nas mitologias clássicas grega e romana abundam as representações de mulheres divinas e deusas transformadas em árvores, como Dafne, Dione, Myrrha e Istar. E foi precisamente em Dafne, cuja autodeterminação lhe valeu ser transformada em loureiro, que a artista Joana Vasconcelos se inspirou para esta criação, com cerca de 14 metros de altura, 350 ramos e mais de 140.000 folhas bordadas à mão, muitas delas usando o Canotilho tradicional de Viana do Castelo e outras cobertas de lantejoulas, além das folhas em couro, onde foram instalados milhares de luzes LED.

Fora do universo mitológico, outra mulher é chamada à colação pela artista, Catarina de Médicis, viúva do rei Henrique II, que se dedicou à renovação do castelo de Vincennes após a morte do marido. A própria artista realça que se tratava de uma mulher que “acreditava que a valorização das artes trazia o bem ao Mundo”, algo em que a própria também acredita. Ora, é nesse castelo, mais concretamente na Sainte-Chapelle, que se encontra a Árvore da Vida, símbolo de recomeço e de diálogo, de recomeço, ou não tivesse a mesma ganhado forma em período de pandemia e confinamento.

A instalação, que deveria ter sido inaugurada em setembro de 2022, para encerrar a Temporada Cruzada França-Portugal, teve problemas técnicos e foi adiada. Mais uma razão para Joana Vasconcelos e a sua equipa celebrarem este “recomeço”, que hoje, dia 28 de abril, se abre ao público em Vincennes, nos arredores de Paris. A Árvore da Vida vai ser acompanhada em permanência por uma música composta por Margarida Gil, especificamente para esta obra, que será interpretada por Rui de Luna. A peça musical partilha o nome da instalação: “Árvore da Vida”.

O varandim do coro alto da Sainte-Chapelle tem uma das melhores perspetivas sobre a instalação e talvez faça jus à imagem que Joana Vasconcelos utiliza quando diz que esta árvore “é uma ligação entre terra e céu”, uma afirmação de vida, embora não tenha sido esta a ideia original para este espaço. E qual foi então?  “Ao princípio tinha pensado fazer uma «Valquíria», e era o que me estavam a pedir. No ateliê, ainda cheguei a desenhar uma, mas depois recebi a visita do Jean-François Chougnet [comissário da exposição] e quando ele viu as folhas – que fomos fazendo durante os confinamentos para mantermos vivo o espírito de equipa –, ele disse logo que seria “muito mais incrível” usar as folhas. E assim foi!”, remata sorridente.

Quisemos saber se o espaço histórico onde a instalação se insere foi um desafio. “Ter um espaço incrível em França – depois do Palácio de Versalhes – é sempre importante. E poder intervir em locais como este, que é muito particular, exige uma entrega enorme do artista. Não é só chegar cá e montar uma peça. É preciso criar um diálogo e uma coerência histórica, respeitar o local. A peça não pode ser muito impositiva nem muito pequena, portanto, há aqui um jogo, nestes locais com uma carga muito forte, que tem algum grau de dificuldade”, conclui.

“O trabalho foi proposto ao Centro Nacional dos Monumentos de França, foi aprovado pelo mesmo e depois de muitos passos e burocracias, conseguimos chegar a bom porto. É preciso um esforço adicional para fazer este tipo de projetos, mas é importante não impor e sim dialogar”, acrescenta Joana Vasconcelos. Daí a importância do apoio dos especialistas daquela instituição na montagem e instalação dentro da capela centenária do Château de Vincennes, onde a instalação poderá ser vista até setembro.

Outro dos aspetos que encantam a artista é “a luz muito particular da capela, pois o facto de ter vitrais gera um ambiente único”. As cores dos vitrais também estão plasmadas na Árvore da Vida – o tal diálogo a que se vai referindo. A manualidade é outro aspeto que enaltece, pois, todas as folhas foram bordadas à mão, sem esquecer a sustentabilidade inerente à peça, na medida em que foram utilizados materiais e desperdícios têxteis que se encontravam no ateliê.

A sustentabilidade será, também, uma preocupação na conceção e montagem de “O Bolo de Noiva”, a inaugurar em junho, no Reino Unido. No mês seguinte, a “Valquíria” que criou para o desfile da marca Dior irá até à China, e está ainda prevista uma instalação nas Galerias Uffizi e no Palácio Pitti, em Florença, Itália. Em setembro, será a vez do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), em Lisboa, acolher uma exposição de Joana Vasconcelos.

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