Depois de ter revogado a emblemática decisão Roe versus Wade, o Supremo Tribunal Federal declarou agora a inconstitucionalidade das políticas de acesso à universidade em que alguns candidatos são favorecidos com base na sua raça, mais conhecidas por ações afirmativas.
O objetivo da criação destes programas, que contam já com várias décadas de aplicação, foi o de gerar diversidade, num contexto social em que algumas minorias étnicas estavam claramente subrepresentadas nos campi universitários e, em consequência, nas profissões que exigem graus académicos.

As vozes de indignação não se fizeram esperar, alegando que a decisão significa um retrocesso social sem precedentes. Joe Biden e os Democratas tomaram a decisão do Supremo como uma derrota política, que será necessário contornar.

A verdade, porém, é que esta decisão do Supremo americano não pode ser desligada do caminho sinuoso que o princípio da igualdade – a equal protection clause, da 14ª emenda – tem seguido nos últimos tempos por terras do Tio Sam. A combinação das ações afirmativas com a disseminação da chamada política de identidade, mais do que diversidade e inclusão, tem gerado uma nova onda de segregação, que no limite se traduz no ressentimento de novas categorias de excluídos. Em vez de coesão social, cultiva-se a interseccionalidade – a sucessiva divisão das diferentes categorias identitárias em grupos e subgrupos – e colhe-se radicalização.

São conhecidos os exemplos caricatos desta segregação do século XXI: cerimónias de graduação separadas para alunos brancos e para alunos negros; académicos brancos a serem afastados da avaliação de provas de alunos “de cor”, que exigem júris constituídos por “pares”; feministas brancas e feministas negras desavindas na organização de uma manifestação nacional de protesto contra o misógino Donald Trump.

Não é fácil prever as consequências desta decisão do Supremo. Mas é sabido que o sistema americano de acesso às universidades está muito longe de ser meritocrático e mais longe ainda de ser justo. E que o sistema das ações afirmativas, com tantos anos de vigência, não provou globalmente bem.

Quem sabe se esta decisão pode contribuir para a adoção de soluções inovadoras e mais inclusivas. Por exemplo, políticas que favoreçam um acesso alargado à universidade dos filhos das famílias de baixos rendimentos, num país em que o ensino superior é elitista e caro. Assim se apoiariam os estudantes das minorias desfavorecidas, sem discriminar ninguém – como os estudantes asiáticos, que estiveram na origem dos processos judiciais agora decididos.