Numa das obras-primas sobre a natureza humana, “O Conde de Monte Cristo”, de Alexandre Dumas, Edmond Dantés, um marinheiro sério, de bem com a vida, prestes a casar com a bela Mercedes, é desterrado para o castelo de If pelas maquinações de dois pulhas, Danglars e Villefort.

O seu regresso misterioso e milionário é uma das mensagens mais fortes de sempre contra a injustiça. A sua vingança é a dos justos.

João Rendeiro está em parte incerta apenas porque decidiu fugir a uma sentença transitada em julgado e ao destino de uma masmorra de qualquer prisão.

O ex-homem forte do BPP não é nem nunca será um Edmond Dantés, pois a sua astúcia e conhecimento do pior do ser humano nada tem a ver com a pureza quase virginal do herói de Dumas.

A CNN teve um enorme furo (com a preciosa ajuda do Tal & Qual) com a entrevista a Rendeiro, contudo, correu um enorme risco que com certeza foi ponderado. O interesse jornalístico era inquestionável, o risco era a possibilidade de mistura com uma tentativa de lavagem da imagem do foragido.

A Clara, a Joana e a Boneca, as três cadelas da família Rendeiro, as lágrimas derramadas, a emoção ao falar da companheira que tentou livrar da mácula social, foram a dose escolhida para procurar tocar o povo.

Porém, “nos lábios que dizem uma coisa enquanto o coração pensa outra”, como consta da obra citada, o objectivo era criar a percepção do injustiçado que teve de fugir.

Do “poderoso fraco”, como disse friamente que sofreu os dois pesos e duas medidas da Justiça portuguesa, ao contrário de Ricardo Salgado para quem desferiu os seus dardos envenenados e o seu fel, quando a verdade é que ambos, com mais ou menos poder, no imaginário popular já deviam estar atrás das grades.

Se Rendeiro, no seu exílio desconhecido onde vai à praia e fala português e onde nenhuma polícia competente o consegue descobrir, visse a quinta e última temporada da genial série italiana “Gomorra”, veria, como ali reza, que “a vingança está na Justiça”.

Nem a mulher nem as três cadelas ofuscam o óbvio: João Rendeiro é um dos maus, não é nenhum herói.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.