As medidas de isolamento e distanciamento social levaram a que muitas das nossas interacções sociais e profissionais passassem a ocorrer à distância. Todos nós temos noção de algumas das consequências negativas destas medidas, como a possível deterioração da satisfação com as relações sociais ou os riscos para a nossa saúde física e psicológica. No entanto, é importante discutir como a distância pode afectar a forma como vemos a realidade; como pensamos, trabalhamos e interagimos.

Ao aumentarmos a distância física face aos outros e ao trabalho estaremos a aumentar a distância psicológica. Isto é, haverá uma maior separação cognitiva entre nós e o que nos rodeia. Investigação tem mostrado que aumentar a distância psicológica leva-nos a pensar de forma mais abstracta e a representar objetos, pessoas e eventos distantes em traços mais gerais.

Isto tem várias implicações na forma como lidamos com os outros. Por exemplo, as pessoas tendem a descrever comportamentos observados num local distante com linguagem mais abstrata, usando mais adjectivos abstratos (“a pessoa é insensível”), e menos descrições concretas (a pessoa disse “agora não posso falar”). É também mais provável inferirmos traços de personalidade a partir de comportamentos de pessoas que estão distantes e negligenciarmos condições do contexto para explicar esses comportamentos. No cenário actual, uma pessoa que está distante e sai de casa todos os dias é mais provável ser vista como “irresponsável” ou “egoísta”, sendo ignoradas explicações contextuais como ser um profissional de saúde.

Ao utilizarmos formas mais gerais e esquemáticas de processar as pessoas que estão distantes também iremos usar mais estereótipos, o que pode levar à expressão indesejada de estigmas e preconceitos. Ou seja, um aumento da distância entre as pessoas potencia inferências e generalizações que podem ser abusivas e degradar relações interpessoais ou levar a maus julgamentos profissionais.

Uma outra consequência das interações à distância poderá ser um aumento da procrastinação. Como a distância nos faz pensar nas coisas de forma mais abstrata e menos concreta, torna-se mais difícil perceber qual o procedimento específico para responder a uma tarefa.

Muitas vezes procrastinamos porque os detalhes do que é preciso fazer não estão claros, e esses procedimentos são mais fáceis de esclarecer numa interacção cara-a-cara. Já todos nós adiámos uma resposta por email que poderíamos ter respondido imediatamente numa interacção face-a-face. Uma forma de combater essa tendência para a procrastinação poderá ser a utilização de linguagem mais concreta e com procedimentos mais claros na comunicação feita à distância. Se deixarmos claro o que é preciso que outros façam, estaremos a reduzir a tendência para procrastinar que estará a ser exacerbada pela imposição de interações à distância.

Também existem aspectos positivos no aumento da distância. Como esta nos faz pensar de forma mais geral e abstracta, focamo-nos mais nos nossos valores e objectivos. Este foco facilita a regulação do comportamento para garantir que agimos de acordo com o que acreditamos ser o melhor para nós.

Por exemplo, em interacções profissionais cara-a-cara por vezes é difícil demonstrar assertividade e acabamos por reagir de forma passiva ou submissa, indo contra o que acreditamos ser melhor para nós ou para a empresa. Como a distância psicológica favorece reacções de acordo com os nossos objectivos e valores, numa interacção à distância deverá ser mais fácil dar uma resposta assertiva e que defende os nossos interesses.

A abstracção também aumenta a relevância dos valores morais na forma como julgamos e decidimos, assim como a gratificação que sentimos com acções solidárias e pro-sociais. Assim, a distância pode desencadear respostas baseadas em valores morais como a cooperação, partilha e solidariedade. Os sentimentos de união e solidariedade demonstrados na implementação das medidas de isolamento ilustram este foco numa causa maior e em valores pro-sociais.

Uma outra consequência de pensar de forma mais abstracta é o aumento da nossa criatividade e da capacidade de pensar de forma divergente. Assim, em contextos profissionais, a distância pode trazer ideias e respostas alternativas aos problemas. Poderá ser então um bom momento para investir em sessões de brainstorming e no desenvolvimento de ideias audazes, e capitalizar na criatividade que o trabalho à distância poderá propiciar.

A criatividade estimulada pela distância pode também ser benéfica para combater o aborrecimento que surge com o isolamento e ajudar-nos a desenvolver novas atividades, hobbies e formas de expressão.

Por fim, pensar nas coisas de forma distanciada e abstracta está também associado a um foco nas coisas que nos dão mais prazer, que desejamos, ou nos fazem felizes. Pensarmos em nós próprios de forma mais abstracta faz-nos sentir maior felicidade e satisfação com a vida. Assim, o aumento da distância psicológica pode ajudar-nos a focar no nosso bem-estar e no que nos dá satisfação numa altura em que isso parece ser tão difícil.

Se compreendermos que estas medidas de distanciamento têm consequências na forma como pensamos e lidamos com os outros, podemos tentar usar esta distância de forma estratégica. Por um lado, precisamos de contrariar as tendências para fazer inferências abusivas e generalizações sobre os outros. Por outro, podemos potenciar a nossa criatividade e capacidade de viver de acordo com os nossos objectivos e valores.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.