O fim do ano civil pode coincidir com o fim de um ciclo político. E demonstra-se bastante revelador.
O debate do Orçamento do Estado para 2018 e principalmente o seu twist final trouxe à ribalta as contradições insanáveis da maioria, erguidas sobre um partido de governo que se sustenta de poder e os extremos da esquerda que querem acrescentar influência à sua representação. Nesta perspetiva, o Bloco anseia saborear o poder real, enquanto o PCP se esforça para salvaguardar o seu peso sindical.
A diferença entre o PS e os restantes partidos que sustentam o Governo está na capacidade de encarar a hipocrisia como uma qualidade e a coerência como uma contrariedade. Bloco e PCP, apesar da sua laicidade, pregam como São Tomé, praticam como Judas e profetizam como S. Paulo. Apesar das divergências, diferenças e contradições, a maioria – cinicamente – vai aguentar-se, sob o signo e para salvação da “esquerda”. Esta é a palavra-chave que distingue os bons (a atual situação) dos maus (a inevitável e maléfica direita).
E assim temos, nos tempos mais próximos, o jogo envergonhado de apoiar o poder e de votar de olhos fechados, bem ao estilo recomendado no passado, mantendo a outra cara de discurso duro, ameaçador, mas pouco perturbador pois que nunca terá a coragem de assumir o que as distingue para pôr em cheque o Governo – o seu Governo, como resulta no fim. Afinal, para eles, o que conta é o resultado.
Porém, as contradições podem não morar apenas na extrema-esquerda. Se esta tendência se agudizar – pois que ninguém aprecia o excesso de crítica e de ameaça, mesmo velada – o PS pode procurar acolitar-se do outro lado da barricada. Basta para isso encontrar poiso à sua direita por alguém que privilegie o regresso ao poder como estratégia, mais do que a realização do seu programa, prosseguir os seus princípios e fazer valer as suas convicções.
Por isso foi sempre tão importante para o PS diabolizar Passos Coelho, como agora em sentido contrário se sucedem cantos de sereia ao futuro novel líder do PSD. Entre censuras a Assunção Cristas e esperanças do PSD, o PS avisa os seus parceiros caso os contrariem para além do que a saudável hipocrisia de esquerda permitir, há alternativas a explorar.
A reedição do Bloco Central pode parecer apetecível a António Costa. Descrente na atual coligação e confessadamente cansado de jogos com as esquerdas, incapaz de criar uma maioria do seu partido, estende os braços para a saída fácil que lhe garante e aos seus, uma confortável situação de poder.
A política exige mais firmeza, coerência, convicção para garantir prestígio e autoridade. O candidato vencedor da contenda no PSD tem de ser claro – absolutamente claro e direto – na recusa de uma aliança contranatura com quem o renegou milhares de vezes nos últimos anos. Principalmente quando este teve de assumir as rédeas das dificuldades e criou as condições que permitiram outros agora colherem os frutos de um esforço coletivo.